Saí do hotel com a mala e me mudei pro apartamento dos meus tios, o lugar mais lindo do mundo, com vista pra Torre Eiffel e abarrotado de carinho por todos os tijolos. Paris não poderia ser melhor. E hoje seria de barco.
Caminhei até a Torre e comprei o Bauteau Bus. Errei. Não que não seja uma boa escolha. Pra quem ainda não foi em nada por Paris e quer passar o dia visitando os lugares mais importantes, assim, en passant, é ótimo. Mas pra mim não era isso. Eu queria contemplar o Sena e as belezas "marginais", com tranquilidade, sem descer em ponto nenhum, e tomando sol. O barco-ônibus é fechado, abafado, cheio de gente, barulhento e vai parando. Definitivamente errei. Mas não ia perder o dia por isso. Peguei o b-bus – pelo menos pra valer os 8 euros que paguei – e fui até a Ponte Neuf , pra embarcar no Vedete da Pont Neuf, este sim o certo.
Comprei o bilhetinho da Vedete e o inferno começou: percebi que tinha perdido o cartão de crédito. Bobagem, podem pensar. Mas para mim que não sou íntima de cartões de créditos e que tenho um mês pela frente sozinha pelo Leste da Europa, sim, me pareceu um enorme problema. Além do meu sentimento de incompetência e burrice por perder o cartão depois de tê-lo usado pela primeira vez, para pagar o primeiro hotel, no primeiro dia em que fiquei sozinha.
- Monsieur, eu disse no meu francês parco, posso usar esse ticket pro barco-vedete mais tarde? Oui. Que bom.
Agora pára tudo e muda a rotação do seu pensamento. Porque vamos entrar na câmera lenta no exato momento do oui oui oui c'est la!
Como num filme editado em slow, eu vi a mão negra e francesa da gorducha-cantora-de-jazz do Ula Ula deslizar no ar 10 ou 20 centímetros até o cartão-preto-e-dourado-brilhante, que pousava sobre uma máquina de calcular ao lado da moça do NÃO. Isso, AO LADO da moça do NÃO - e por um triz não ficou lá pra sempre enquanto eu me mataria. Mas, continuando a cena, ainda em camera lenta vi os dedos pegarem o cartão e o flutuarem até as minhas pernas bambas de emoção. Tudo BEM lento e, oh!, bem lindo. Nesse segundo, meu coração que já se preparava pra chorar de nervoso e ai-como-vou-resolver-isso-agora-que-transtorno, chorou de alegria e de gratidão. Eu me sentei ao pé do Sena e chorei enquanto ria e agradecia o milagre, a segunda chance de não ser incompetente.
Nesse momento do choro, acredite, música começa a tocar. Vinha de alto-falantes enormes não-sei-de-quem, ali mesmo, do lado do ponto do barco. E não foi qualquer música. Tocou Let it be. Juro. Tocou Let it Be naquele momento – mother mary comes to me speaking words of wisdom: let it be. Não tinha letra, era só música e eu chorava mais. E, então, veio o toque derradeiro, matador, final e definitivamente mágico do meu começo de tarde pós-manhã-perdida-e-tensa. Essa menina fofa e doce aparece com dois gravetos e, de frente pro rio, rege. Isso, rege. Rege o rio. Rege o Let it be. Rege Paris. Rege o tempo. Rege a minha alma.
Agradeci muito porque um alívio me foi dado.
Mas o cartão de crédito já nem importava mais…
QUE DEIXEI ESTAR (LET IT BE)
Voltei pra Ponte Neuf e fui exatamente no barco que eu queria. Foi demais. Depois desci e resolvi caminhar até a Notre Dame. Acredite se quiser: quando cheguei lá estava tendo uma celebração enorme, com um coral maravilhoso, e cheguei bem um pouco antes da consagração. Nem que eu tivesse marcado hora tinha dado tão certo.
E o fim do dia foi essa benção, na Notre Dame de Paris.
Regendo a noite...
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