sábado, 21 de junho de 2008

VIENA: A CHEGADA

Feche os olhos. Não!! Obviamente eu preciso que você leia, então só finja que seus olhos estão fechados e me siga.

Imagine um dia de sol. De muito sol, céu azul e nuvens pinceladas. Um quadro. Você chega de trem na estação de uma cidade desconhecida. A estação é linda e as pessoas todas sorriem pra você. Você pede informações sobre onde pegar o metrô e é tudo muito fácil e perto. √ocê pega um elevador espaçoso e gentil, desce, vê logo o placa do metrô que precisa pegar, ele chega em seguida, você entra e sorri pra si mesma. Fica sorrindo durante as cinco estações que passam rapidíssimas. Chega a sua e você desce. Tudo limpo e bonito. Você pega uma escada rolante para a rua.

Vai subindo e aos poucos vai vendo surgir a luz do dia. Aos poucos vai visualizando mansões, palácios enormes, construções que você só tinha visto nos filmes da Audrey Hepburn e da Romie Schinaider. Todas as cosntruções ao redor de um lugar aberto, só para pedestres, com mesinhas ao ar livre, por onde muitas pessoas bonitas passeiam entre estátuas e músicos de rua. O céu está mais azul, o sol brilha muito, tudo brilha. Você sai da escada rolante direto na rua e pára, sem saber o que fazer de tanta maravilha. Você brilha. E então, sem poder conter os lábios que se escancaram até doer, você sorri tanto que chora. Vai andando em camera lenta. Puxando a mala, olhando para cima, para os lados, para dentro de si, para tudo. Em camera lenta e com o coração disparado de felicidade.

De repente você vê, diante de uma estátua gigantesca e cheia de dourados iluminados pelo sol, um bando de gente assistindo a uma japonesa que toca Mozart num piano sobre rodinhas que ela empurrou até lá. E ela toca muito, é daquelas que sente a música e dá pulos no banquinho. É tão bonito que você simplesmente estaciona com a sua mala e fica vendo ela tocar.

Quando ela termina a música, você se vira e vê a rua do seu hotel. Sorri de novo. Vai até lá, pára na porta, olha para os lados e não acredita – é tudo deslumbrante. E você está colada aos palácios dos antigos imperadores. É grandioso num nível que você quase duvida. Na sua cabeça, uma frase se repete: Meu Deus, meu Deus, meu Deus.

Você entra no hotelzinho, vê que o lugar é uma graça, sobe para o seu quarto, senta na cama, sorri mais uma vez, e agradece por tanta beleza.

Foi assim minha chegada a Viena.


ANJOS
Depois que saí do hotel, o primeiro lugar onde entrei foi em uma igreja monumental que tem em Viena. E dá-se que a sorte me sorriu e quando coloquei os pés lá dentro, estava quase vazia, com aquele silêncio lindo de igreja e começa a tocar um órgão, mas um órgão que você não acredita no tamanho. E uma música daquelas que vão crescendo e dentro de você tudo pulsa a cada acorde mais forte... E em umas telas enormes espalhadas sobre os bancos da igreja, num pé direito descomunalmente gótico e alto, são projetados rostos de pessoas comuns... homens, mulheres, jovens, velhos, crianças, tudo. Depois eu descubro que a idéia é dizer que há anjos espalhados por aí e que eles têm assim, rostos comuns, como aqueles. Enfim, eram anjos sobre a minha cabeça. E aí a vida estava completa e eu agradeci de novo por tanta tanta tanta beleza.


LIFE IS PIC NIC
E então gentilmente nos mandaram sair da igreja porque estava fechando (dez da noite!) e fui caminhar pela cidade. A cidade, sinto dizer, tomada por futebol, e palanques, e fanáticos. Há jardins fechados e com telões enormes no meio, museus cercados, outdoors, totens e futebol por todo lado. E Coca-Cola e Adidas e merchandising até dizer pelamordedeuschega! Saco. Mas tá.

Caminhei até anoitecer. De repente um cara numa bicicleta pára na minha frente e puxa papo. Vou resumir porque acabei passando horas com ele: Robert é loiro, bem alto, magro, estiloso, tem 45 anos (mas parece 33). É holandês, mas morou uma década (antes de começar a viajar) em Paris. Há uns cinco anos viaja pela Europa num trailer, onde mora. Aluga um apartamento que tem em Amsterdam pra garantir renda fixa. E viaja por todos os cantos. Livre, como ele disse que quer ser pra sempre.

É fotógrafo, tem um notebook da apple daqueles de tela enorme, uma bicicleta mega-modernosa, o trailler dele é impecável de limpo e organizado e cheio de coisas sofisticadas, mas ele só toma banho em piscinas públicas e não paga caro pra comer nunca. Tem uma gata branca, a Mily, que não abandona o trailler por nada. É apaixonada pelo Robert. Às vezes surge um trabalho de foto, às vezes não – e parece que ele não se importa muito. Pelo menos assim me fez crer. Foi casado com uma francesa e tem uma filha de 12 anos que mora em Paris com a mãe – amigona dele. Disse que não quer namorar nem casar nunca mais. Só tem relações-relâmpago, “como a vida num trailler” , diz ele. E é gay.

O mais legal do Robert foi que, em determinado momento, quando a gente conversava, fazia e respondia perguntas um do outro, ele disse: podemos ficar em silêncio por um momento, tomando um vinho e pensando na vida. Porque mesmo que você me faça todas as perguntas e eu te dê todas as respostas, você não vai saber tudo de mim nem eu vou saber tudo de você. Então o que importa é que ficamos amigos. Por alguma razão eu escolhi você no meio da multidão, nesta noite, e nos tornamos amigos, e compartilhamos este momento. Bom ele falou em inglês e a tradução poética é livremente minha. Tá bom. Não sei se eu acho a reflexão dele tão profunda quanto ele parecia achar, mas foi bonito. E agora eu tenho um amigo que mora num trailler e viaja livre pela Europa. Ou então é um rico excêntrico que gosta de inventar histórias para brasileiras tolas.

E a frase deste subtítulo também é dele.

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