sábado, 14 de junho de 2008

OH WHAT A PARADISE IT SEEMS

Tá difícil mesmo ficar sozinha nesta viagem. Não, não é que eu não seja capaz, é que não me é permitido, não me deixam, não sei que força é essa que simplesmente me cerca - de cerco mesmo. Mas também não é que eu queira muito ficar sozinha, só estou constatando a dificuldade, caso eu quisesse...

Veja: minha amiga me deixou na estação de Amsterdam e eu entrei no trem para Berlim, enfim sós. Doce ilusão. Na minha frente em diagonal, na mesa para quarto, senta-se um rapaz que já tinha andado de lá pra cá e de pra cá pra lá tentando acomodar toda a bagagem. Sorridente daquele risinho-que-espreme-os-olhos de todos os chineses. Chinês pensei eu! Calada no meu canto com as minhas leituras, eu pensava com meus botões, zíperes e todos os mil cacarecos que carrego na mochila e nos bolsos, em como aproveitar bem as quase sete horas de viagem entre a Holanda e a Alemanha. Mas eis que este rapaz, sorridente como nunca, depois de organizar as duas malas gigantes, mochila, pasta, casacos e violão, começa a tirar de sacolinhas maçãs, bananas, sanduíches, sucos e coisas e… fólyú. What?? Fólyú, ele disse. Pra você... zis is fólyú, sorriiiiindo, e começou a por no meu lado da mesa, na minha frente, um de cada tudo que ele tomava para si. Então ganhei pedacinhos de maçã, que ele mesmo picou, meia banana, um sanduíche de queijo com coisa, biscoitos tipo aquele champagne e… não, ele não exatamente perguntou se eu queria, simplesmente sorridente de um jeito chinês que não me deixava recusar nada, foi me dando as coisas.

Muito bem, você venceu. Fechei minhas leituras e vamos lá. Olha, eu acabei de comer então vou ficar só com as frutas, tá? Ok-ok-ok, sorrisinho inabalável. E então num esforço bastante grande fui devagar entendendo as perguntas dele com aquele sotaque wen-tchong-tcheng. Sim, eu vou pra Berlim, depois Munich, Salsburgo, Viena, Budapeste e Praga. Ah, você vai pra Itália, que bom. E depois volta para a França onde está fazendo MBA, great. Eu sou do Brasil. Isso, isso, samba, ziriguidum. E você, de onde é? Ainda bem que eu não arrisquei... Aimi flom Vietnã. Pausa curta. Seguida do meu sorriso de hmmm - e aquele simzinho com a cabeça.

Ai, Senhor, sempre que ouço Vietnã me lembro da menina nua na frente do tanque. Sai, saaaai pensamento triste porque o vietnamita na sua frente sorri muito portanto certamente ele não está pensando na mesma Guerra que você. E, pronto, ele está perdoado por ter falado samba!, afinal você também pensou na Guerra do Vietnã, o equivalente de certa forma!

Meu nome? Juli. – Ah, Joly!! Joly in french means vély intelesting and beautiful person. Ai, meu Deus lá vem. E você, como se chama? Juro, entendi de primeira: Phuong. Se fala assim mesmo, o mais anasalado possível: Fuôónnhg.

Ai, a partir daí, ele comia, falava, eu via toda a comida dentro da boca, mas ele continuava sorrindo tanto que eu nem podia achar ruim, eu estava de fato, achando ele divertido. Esses moços orientais fofos, sabe? Então já era meu novo amigo. E comeu, comeu, comeu… ele comeu muito! E é um magrelo. Bem, me contou que vai visitar a vó em algum lugar da Alemanha a uma hora de Berlim, não entendi onde. Depois perguntou onde eu ia me hospedar. Depois não parou mais. Pediu meu telefone, meu e-mail, já me ligou pra ver se tava certo, perguntou o que eu fazia, resolveu me dar um livro – que parece bem interessante, prêmio Pulitzer, chama-se Oh What a Paradise It Seems – fez uma dedicatória dizendo que era um presente do coração dele pro meu. Aff.

Perguntou se eu gostava de música, pôs o celular pra tocar, e já foi pegando o computador. Abriu na minha frente e colocou o video dele tocando violão na estação do metrô em Paris e também em um outro trem. Ele faz MBA de dia e toca nos metrôs antes de dormir. Porque gosta. Toca bem paca. Música clássica. Me mandou logo Romeu e Julieta. Ai, Maria. Tudo isso na primeira hora de viagem. Sem parar de sorrir, se fazendo entender com o inglês mais enrolado que já ouvi – ele fala melhor francês e vietnamita, mas, enfim, de que me serve?

Ufa! Depois de tudo isso com toda essa rapidez e de perguntar se eu era casada e me dizer que pode mudar seu roteiro pra ir comigo para Viena e Budapeste – ai, meu Senhor Jesus – bem, e depois de me dizer que tem 24 anos e que quer viajar bastante para ter o que conversar com a futura namorada – bem, depois de tudo isso, ele resolveu dormir. (mas essa foto é bem depois porque ele dormiu todo arrumadinho, tirou os sapatos, pegou um travesseiro, um cobertor e deitou encolhido nos dois bancos como se fosse uma cama.)

Ai, fiquei sozinha, por algumas horas? Em silêncio...
Sim, sim, sim. Nem acredito.
Just for this moment.

E então, finalmente, eu consigo por longos minutos, contemplar a paisagem da Alemanha pela janela do trem, ouvindo Elphaba e Fiyero cantando Just for this moment…

It’s just… for the first the time, I feel wicked.

Bom, também não durou muito porque quem pegou no sono em seguida fui eu.

Agora, quase chegando em Berlim, eu me pergunto: O que é que eu vou fazer com este vietnamita? Como é que eu vou me livrar dele sem ser indelicada? Como é que eu vou dizer não, não venha passear comigo, se ele ficar com esse sorrisinho chinês na cara? Ele ainda dorme, mas vai acordar, eu sei, não tem jeito. E se eu mudar de lugar e quando ele acordar eu sumi? Ai, que horror. E se ele tiver um mal súbito e não acordar agora? Isso seria uma saída. E se alguém me explicar por que é que eu simplesmente não estou autorizada a ficar sozinha nesta viagem? Olha, se até do Vietnã me mandaram gente é porque a coisa é séria.

Ai, vou parar de pensar que a minha cabeça começou a doer. E a cabeça dele também deve estar doendo porque ele tá dormindo bem de mal jeito. Coitado. Porque mesmo com dor, certeza que ele vai acordar sorrindo.

Olha ele aí. Parece que eu estou tão feliz, né. Só pensando como eu ia me livrar dele... Ah, esqueci de contar a melhor: quando eu disse que era jornalista e que escrevia, ele, todo feliz, me revelou que ganhou um concurso de textos super importante na universidade dele – de Economia! – com um texto sobre “Como vou me tornar um homem muito rico”. Ok.
...

PS: chegamos e, ops! logo depois desta foto sem querer me perdi dele na estação... Agora estou em Berlim. Sozinha.
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Um comentário:

Unknown disse...

JU... como ri lendo sobre Phuonng!!!
Sempre escreve...sempre que der vou ler.
Adoro ler o que vc escreve!!

Beijo grande

crisinha