quinta-feira, 25 de setembro de 2008

VI PARIS AMANHECER DA JANELA DO AVIÃO

Foi assim minha última manhã na Europa, vendo Paris amanhecer pela janela do avião - parado. A viagem foi longuíssima: trem, avião, avião, avião. Mas foi boa. Tive bastante tempo pra pensar em tudo. Em cada dia, cada cidade, cada país, cada pessoa que conheci, cada momento especial dessa viagem indimenticable. Totalmente inesquecível. Se um dia eu sonhei com tudo isso, a realidade foi muito, muito melhor.


ANDIAMO

16h57 (24.09) - Peguei o trem de Firenze para Pisa. Uma hora e pouco de viagem. A Shinobu - melhor amiga que alguém pode ter - foi comigo, pra me fazer companhia e me ajudar com as malas. Ela viajou de trem comigo de Firenze até Pisa, e depois voltou sozinha, só pra me ajudar. E ainda foi assaltada na saída do trem. Uma cigana desgraçada, com um bebê no colo, abriu o zíper da mochila dela e pegou a carteira. Foi uma situação estranha, mas só nos demos conta do que tinha acontecido quando a Shinobu sentiu falta da carteira. Tadinha.


E então eu cancelei o cartão de crédito dela pelo telefone em espanhol, passando informações como nome do banco e endereço soletrando japonês, enquanto tentava fazer meu check-in em italiano. O samba do criolo doido. Juro. Quando a mocinha do check-in quis me cobrar, em italiano, um excesso de peso estratosférico - enquanto eu ainda falava ao telefone em espanhol e soletrava em japonês -, comecei a chorar desesperadamente (em português). Metade era nervoso por causa da Shinobu roubada e do valor do excesso de peso, metade era teatro pra tentar não pagar nada. No fim, consegui cancelar o cartão e encontrei dois santos e gentis italianos que despacharam as malas comigo para aliviar meu excesso. Eles eram gays por isso eram gentis. Porque italiano homem é de uma grosseria só.

21h00 - Embarquei em Pisa.
22h30 - Cheguei a Paris, no Orly. Deserto. A não ser as pessoas do meu vôo, que foram se dispersando num piscar de olhos, nada, ninguém. Aeroporto fantasma. Mas, tá, eu pensei, esse é o aeroporto pequeno. Lá no Charles de Gaule vai ter mais movimento, um restaurante, um café, algumas coisas abertas. Sim, porque eu ia esperar lá até as 4h pra fazer meu check-in. Taxi, motorista chinês que fazia questão de falar francês comigo. Que saco. Caminhos de Paris fechados. C'est fermè! C'est toute fermè! Tá, eu já entendi. Ele queria dizer que ia sair mais caro porque teria de fazer o caminho mais longo. Já entendi, china! Pára de gritar. Parou.


Meia-noite - Desço do taxi no Charles de Gaule e tenho a certeza de que a gente no Brasil é louca. Ou eles é que são muito estranhos. Porque estava TUDO fechado. À meia-noite não tinha uma alma no maior aeroporto de Paris, nem um pícolo café aberto. Nada. Fiquei chocada. Tinha um ragazzo com a mala sob os pés tirando um cochilo numa cadeira e só. E eu.

4h (25.09) - Começou a chegar gente. Um monte de brasieliros. Tinha um bigode que não parava de perguntar coisa pra todos que apareciam na frente. E ele falava português, assim, naturalmente, e achava mesmo que os franceses estavam entendendo... E quando eles faziam cara de "o quê", ele repetia a pergunta falando beeeem devagar. Ah, agora sim.

Bom, fiz o meu check-in para Lisboa, quase tive que tirar a roupa na PF porque eu não parava de apitar, e precisei guardar o meu vidro de esmalte do tamanho de um dedal lacrado num plástico super-ultra-protetor. Ridiculô. Comprei minha última Evian e embarquei, às 6h30. O avião deveria sair às 6h50. Mas atrasou uma hora e meia. Foi por isso que vi Paris amanhecer da janela do avião parado. A espera foi o tempo exato para cidade luz clarear. Junto com os meus pensamentos de partida. E enquanto decolávamos e Paris amanhecida ganhava o sol, eu agradecia, mais uma vez, por tudo.


9h00 - Depois de sobrevoar o Tejo, pousamos em Lisboa. No horário da Itália seriam 10h e eu teria perdido a conexão. Mas como Portugal é uma hora mais cedo, deu tempo. Rs. No aeroporto de Lisboa, muitos, mas muitos, mas muitos brasileiros. Quase no mesmo horário saía o meu vôo pra São Paulo, mais um pro Rio e outro pra Recife. E a brasileirada estava toda perdida porque todos os vôos que vinham para essas conexões estavam atrasados e então chegou todo mundo junto em cima da hora. Mas como brasileiro é desesperado, e como fala alto, e como exagera na pressa e no drama... Mas, ai, que bom me sentir em casa!

9h30 - Embarquei junto com os outros retardatários e decolamos em seguida para longas 10 horas de viagem. Comi tudo que me ofereceram. Vi todos os filmes. Li todas as revistas. E foi em uma dessas revistas que li um texto cujo título é a frase inspiradora da volta pra casa.


"OS NOMES DAS COISAS"

Pois qual é o nome dessa coisa que a gente sente nesses momentos de sensações misturadas? De partidas querendo ir e ficar ao mesmo tempo. E depois de tanta beleza, tanta emoção, tanta intensidade em todos os dias, durante meses. Qual é o nome dessa coisa? Eu não sei. Não sei o nome em português, nem em italiano, nem em esperanto. Não sei o nome dessa coisa. Mas é qualquer coisa bem parecida com felicidade, misturada com nostalgia, com um pouco de ansiedade e uma pitada de expectativa. Mas tem também uma alegria, uma satisfação. E algum pequeno lamento por qualquer desencontro. Poderíamos chamar, então, essa coisa, de um nome que ainda não existe: feliztalgiadadeativasalento. Mas isso tiraria toda a beleza do sentimento sem nome. Dessa coisa que eu sinto. Portanto, nem todas as coisas tem nome. E eu volto assim, com essa COISA no peito...


IN BOCCA AL LUPO
Foi na mesma revista que achei uma crônica do Lobo Antunes, um escritor português incrível a quem fui apresentada no ano passado. A coisa se chama "Eu, em agosto". Imagina para onde me levou, para eu em agosto. Mas agora quem me leva é o avião. E pra casa. Das coisas que deixo, espero me lembrar sempre. Já de mim nas coisas, nos lugares, e com as pessoas, talvez esqueça. Ou porque me esqueci lá. Ou porque seja outra, então. Se calhar já sou. Se calhar já era.

"(...) Parece que voltei à minha infância. Não me lembro se era feliz nessa época. Se calhar era. Esqueci. Quer dizer não esqueci as casas nem as travessas: esqueci-me a mim, ou era outro então."

PS: In bocca al lupo significa BOA SORTE.
.

2 comentários:

Anônimo disse...

puxa...
deu até uam tristeza. e uma felicidade.
uma coisa sem nome mesmo.
mas, ah, que bom que vc estará aqui.
que bom...
bjs

Unknown disse...

Olá.
Também estive na Europa em 1999, sozinha, mochila nas costas, US$ 1.500,00 no bolso e uma vontade enoooooooorme de ser feliz.
E fui muuuuito feliz, conheci lugares lindo e pessoas incríveis.
Essa sensação que vc tentou descrever no final, é exatamente o que eu senti qdo embarquei em Roma com destino à São Paulo.
Que bom que pude viver tudo isso!
Maria Silvia Alcantara Steinmetz.