sexta-feira, 26 de setembro de 2008

NON ME LO SO SPIEGARE


Scusa, sai, non ti vorrei mai disturbare

Ma vuoi dirmi come questo può finire?
Non me lo so spiegare
Io non me lo so spiegare


Tiziano Ferro e Laura Pausini
.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

VI PARIS AMANHECER DA JANELA DO AVIÃO

Foi assim minha última manhã na Europa, vendo Paris amanhecer pela janela do avião - parado. A viagem foi longuíssima: trem, avião, avião, avião. Mas foi boa. Tive bastante tempo pra pensar em tudo. Em cada dia, cada cidade, cada país, cada pessoa que conheci, cada momento especial dessa viagem indimenticable. Totalmente inesquecível. Se um dia eu sonhei com tudo isso, a realidade foi muito, muito melhor.


ANDIAMO

16h57 (24.09) - Peguei o trem de Firenze para Pisa. Uma hora e pouco de viagem. A Shinobu - melhor amiga que alguém pode ter - foi comigo, pra me fazer companhia e me ajudar com as malas. Ela viajou de trem comigo de Firenze até Pisa, e depois voltou sozinha, só pra me ajudar. E ainda foi assaltada na saída do trem. Uma cigana desgraçada, com um bebê no colo, abriu o zíper da mochila dela e pegou a carteira. Foi uma situação estranha, mas só nos demos conta do que tinha acontecido quando a Shinobu sentiu falta da carteira. Tadinha.


E então eu cancelei o cartão de crédito dela pelo telefone em espanhol, passando informações como nome do banco e endereço soletrando japonês, enquanto tentava fazer meu check-in em italiano. O samba do criolo doido. Juro. Quando a mocinha do check-in quis me cobrar, em italiano, um excesso de peso estratosférico - enquanto eu ainda falava ao telefone em espanhol e soletrava em japonês -, comecei a chorar desesperadamente (em português). Metade era nervoso por causa da Shinobu roubada e do valor do excesso de peso, metade era teatro pra tentar não pagar nada. No fim, consegui cancelar o cartão e encontrei dois santos e gentis italianos que despacharam as malas comigo para aliviar meu excesso. Eles eram gays por isso eram gentis. Porque italiano homem é de uma grosseria só.

21h00 - Embarquei em Pisa.
22h30 - Cheguei a Paris, no Orly. Deserto. A não ser as pessoas do meu vôo, que foram se dispersando num piscar de olhos, nada, ninguém. Aeroporto fantasma. Mas, tá, eu pensei, esse é o aeroporto pequeno. Lá no Charles de Gaule vai ter mais movimento, um restaurante, um café, algumas coisas abertas. Sim, porque eu ia esperar lá até as 4h pra fazer meu check-in. Taxi, motorista chinês que fazia questão de falar francês comigo. Que saco. Caminhos de Paris fechados. C'est fermè! C'est toute fermè! Tá, eu já entendi. Ele queria dizer que ia sair mais caro porque teria de fazer o caminho mais longo. Já entendi, china! Pára de gritar. Parou.


Meia-noite - Desço do taxi no Charles de Gaule e tenho a certeza de que a gente no Brasil é louca. Ou eles é que são muito estranhos. Porque estava TUDO fechado. À meia-noite não tinha uma alma no maior aeroporto de Paris, nem um pícolo café aberto. Nada. Fiquei chocada. Tinha um ragazzo com a mala sob os pés tirando um cochilo numa cadeira e só. E eu.

4h (25.09) - Começou a chegar gente. Um monte de brasieliros. Tinha um bigode que não parava de perguntar coisa pra todos que apareciam na frente. E ele falava português, assim, naturalmente, e achava mesmo que os franceses estavam entendendo... E quando eles faziam cara de "o quê", ele repetia a pergunta falando beeeem devagar. Ah, agora sim.

Bom, fiz o meu check-in para Lisboa, quase tive que tirar a roupa na PF porque eu não parava de apitar, e precisei guardar o meu vidro de esmalte do tamanho de um dedal lacrado num plástico super-ultra-protetor. Ridiculô. Comprei minha última Evian e embarquei, às 6h30. O avião deveria sair às 6h50. Mas atrasou uma hora e meia. Foi por isso que vi Paris amanhecer da janela do avião parado. A espera foi o tempo exato para cidade luz clarear. Junto com os meus pensamentos de partida. E enquanto decolávamos e Paris amanhecida ganhava o sol, eu agradecia, mais uma vez, por tudo.


9h00 - Depois de sobrevoar o Tejo, pousamos em Lisboa. No horário da Itália seriam 10h e eu teria perdido a conexão. Mas como Portugal é uma hora mais cedo, deu tempo. Rs. No aeroporto de Lisboa, muitos, mas muitos, mas muitos brasileiros. Quase no mesmo horário saía o meu vôo pra São Paulo, mais um pro Rio e outro pra Recife. E a brasileirada estava toda perdida porque todos os vôos que vinham para essas conexões estavam atrasados e então chegou todo mundo junto em cima da hora. Mas como brasileiro é desesperado, e como fala alto, e como exagera na pressa e no drama... Mas, ai, que bom me sentir em casa!

9h30 - Embarquei junto com os outros retardatários e decolamos em seguida para longas 10 horas de viagem. Comi tudo que me ofereceram. Vi todos os filmes. Li todas as revistas. E foi em uma dessas revistas que li um texto cujo título é a frase inspiradora da volta pra casa.


"OS NOMES DAS COISAS"

Pois qual é o nome dessa coisa que a gente sente nesses momentos de sensações misturadas? De partidas querendo ir e ficar ao mesmo tempo. E depois de tanta beleza, tanta emoção, tanta intensidade em todos os dias, durante meses. Qual é o nome dessa coisa? Eu não sei. Não sei o nome em português, nem em italiano, nem em esperanto. Não sei o nome dessa coisa. Mas é qualquer coisa bem parecida com felicidade, misturada com nostalgia, com um pouco de ansiedade e uma pitada de expectativa. Mas tem também uma alegria, uma satisfação. E algum pequeno lamento por qualquer desencontro. Poderíamos chamar, então, essa coisa, de um nome que ainda não existe: feliztalgiadadeativasalento. Mas isso tiraria toda a beleza do sentimento sem nome. Dessa coisa que eu sinto. Portanto, nem todas as coisas tem nome. E eu volto assim, com essa COISA no peito...


IN BOCCA AL LUPO
Foi na mesma revista que achei uma crônica do Lobo Antunes, um escritor português incrível a quem fui apresentada no ano passado. A coisa se chama "Eu, em agosto". Imagina para onde me levou, para eu em agosto. Mas agora quem me leva é o avião. E pra casa. Das coisas que deixo, espero me lembrar sempre. Já de mim nas coisas, nos lugares, e com as pessoas, talvez esqueça. Ou porque me esqueci lá. Ou porque seja outra, então. Se calhar já sou. Se calhar já era.

"(...) Parece que voltei à minha infância. Não me lembro se era feliz nessa época. Se calhar era. Esqueci. Quer dizer não esqueci as casas nem as travessas: esqueci-me a mim, ou era outro então."

PS: In bocca al lupo significa BOA SORTE.
.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

PORQUE EU TÔ VOLTANDO...

Mudaram as estações, nada mudou
Mas eu sei que alguma coisa aconteceu
Tá tudo assim, tão diferente.
Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar
Que tudo era pra sempre, sem saber
Que o pra sempre, sempre acaba
...
Mesmo com tantos motivos pra deixar tudo como está
Nem desistir nem tentar agora tanto faz...
Estamos indo de volta pra casa

Cassia Eller

terça-feira, 23 de setembro de 2008

ANTIPASTO PRIMO SECONDO DOLCI

Antes de ir embora, eu PRECISO, è bisogno, falar do assunto principal na Itália: comida!

Veramente não falei até agora sobre as pizzas, os prosciuttos, as mozzarelas, as bruschettas, os nhoques, os raviolis, os pennes, os spaghettis e os polpettones porque, surpreendentemente, pra mim a comida na Itália não teve essa importância toda. Meu paladar não ama massa e eu quase só comi salada todos os dias. Podem me matar, amantes da culinária italiana – e Toscana! -, mas é vero: o que eu mais comi na Itália foi salada (além de um risotto de gorgonzola com radicchio e noci, de matar!).

Fui realmente uma exceção, um acidente – accidenti! - porque realmente na Itália só se fala em comida e si mangia troppo! Portanto o assunto merece umas linhas antes de irmos comer salada no Brasil.

TUTTO INSIEME NOOOO!
A refeição na Itália tem todo um esquema. É muito diferente do nosso jeito brasileiro de comer, e a forma é muito, mas muito respeitada pelos italianos: antipasti, primi piati, secondi piati, dolci. É assim. Tudo separado. Não existe um prato de arroz, feijão, bife e batata. Ou macarrão com frango. Ou risotto com torta (alias, torta aqui NUNCA vi!) Não existe colocar as coisas juntas no prato. Não. Non c’è. Jamais. Sogetto inezistente! Tutto insieme no! É separado, uma coisa de cada vez. E o certo é pedir todos os quarto pratos, e ir até trocando de vinho se for o caso. Até a sobremesa tem seu vinho específico, o vinsanto. Má nàggia!

Então é assim: primeiro o antipasto - uns frios, uns queijos, uma mozzarella, crostinis com cogumelos, pomodori e fromaggio, pate de fígado (éca!) e beringela (èèèècaaaa!!). E pão, sempre. Pão sem sal.

Depois vem o primeiro prato, normalmente um risotto ou uma massa bem cheia de molho, bem temperada, bem encorpada. E no prato vem só o rizzo ou só a massa. Sem mais nada. Magari vocé usa o paozinho pra chuchar no molho. Mas nada de acompanhamentos.

E então vem o segundo prato, a carne. Tem carne de porco, tem bisteca fiorentina, frango, peixe, coelho… Ou pode ser também um outro prato de massa! Sem constrangimento. O feio é não pedir.

E, depois de tudo isso, a sobremesa: dolce, gelato, biscotto com vinsanto… Frutta? Non c’è. Muito raro. É sempre tiramisu, cheesecake, torta della nonna, torta de chocolate ou de maçã, gelato, tartufo, essas coisas leves.

E depois de tudo isso você vai rolando pra casa. Rolando literalmente, caindo no chão, porque a comilança toda é acompanhada MESMO de vinho, então já viu como se termina o jantar (e o almoço também!).

E, olha, é incrível, mas a maioria das pessoas come de fato todos os pratos. Não é lenda. Não é. Os cardápios dos restaurantes são assim mesmo: antipasti, primi, secondi, dolci… E prepare-se para as caras feias se você sair da regra. Eles não te obrigam a pedir do jeito certo, mas te olham como se você fosse uma aberração, que não sabe comer direito.

E tem o café. Um dedinho mindinho de xícara. Não pense que veio errado. É assim o spresso italiano – segundo eles o melhor do mundo, incomparável, único.

Ah, e tem o Limoncelo! Madonna! Não se pode esquecer do Limoncelo depois ainda de todos os depois – que é pra dar aquela assentada final. (os japas também tomam grappa!)


CENA A CASA

Não é teatro, é jantar. E não, não é só no restaurante a comilança separadinha. Juro que pensei que fosse (juro, Aline). Mas fui convidada para jantar na casa de um italiano - e de um brasileiro que já italianou - e vi que é assim mesmo também nas casas italianas… Primo, secondo… tudo separadinho, um por vez.

E italiano não tem cozinheira, então é uma delícia porque o jantar já começa com todo mundo na cozinha desde a hora que chega, enquanto o dono da casa vai preparando o cibo.

No jantar que o Fábio e o Aluizio fizeram pra mim, teve penne con zucchini e gamberi di primo, e porpettone recheado com espinafre di secondo. Tudo delicioso. E não, não podia comer junto. Na Itália é assim.

E, olha, a gente se acostuma. É bonito. E passa a fazer muito sentido essa coisa de não misturar os sabores e os setores. Dai!


PANNE E TULIPANNE

E quem pensa que foi a mamma que ensinou a passar o pão italiano no pratinho de azeite e sal enquanto a comida não vem, faça penitência. Para os italianos clássicos isso é o fim da picada. Coisa de americano que não sabe comer. Um sacrilégio porque atrapalha seu paladar para o que vem, separadinho, na seqüência.

E para os italianos também não existe pedir ou abrir um vinho assim só pra beber, como a gente faz. Pra beber vinho PRECISA ter uma comidinha pra acompanhar.


DE COMIDAS E VIAGENS

E então, depois de tudo isso, me dou conta de que a minha viagem foi como uma refeição italiana.

O antipasto fiz em maio, com a Daysi, passando rapidinho em mais de 20 cidades no mês – com direito a porções maiores das entradinhas preferidas, digo, dias a mais nos lugares mais legais.

O primo piato, eu sozinha por aí, degustando com calma e prazer lugares lindos, inacreditáveis, saborosíssimos e cheios de identidade – como as massas toscanas.

O secondo piato foi Firenze, estudando italiano, a proteína, a consistência, o pé no chão em algum lugar.

E, por fim, o dolce, o tempo a mais que me permiti, entre aulas e gelatos.

Enfim, agora pedi o café (italianíssimo, corto!) e já estou pagando a conta para ir embora. Triste. Não de tanto comer. Mas de tanto viver. Digo, feliz. É um sentimento doppio de alguma maneira. Mas, claro que vou embora feliz, como me senti depois de toda refeição italiana (ainda que salada!).
.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

OI BONITTONNA!

Dependendo do ângulo por onde você olha, o centro de Firenze é a 25 de março. Só tem brasileiro. Comprando e vendendo. É inacreditável. Se me contassem eu não acreditaria que é como é. Se contar ninguém acredita. Mesmo assim estou contando. Porque isso eu também PRECISO registrar. E basta. Às vezes é chato, de tanto brasileiro.

Bobeou, o Ciao Bella vira “Oi Bonittonna”!
.

AUSÊNCIA

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Drummond, dopo di mesi soltanto con me stessa


sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O TEMPO

Foi como num passe de mágica. De um dia para o outro. Sábado começa o outono, disseram. E começou MESMO. Depois de dois meses de absoluto calor e sol, sol, sol, todo dia, todo dia, todo dia, há uma semana faz frio e, dia-sim-dia-não, chove em Firenze. Foi assim, juro. De um dia para o outro a temperatura caiu 10 graus e a cidade mudou. Começou o outono.

Para mim é chato. Porque para mim Firenze é cidade de sol e calor. Eu conheci esse lugar assim e fui feliz todo dia aqui assim. Apesar do calor in-su-por-tá-vel. Era feliz demais acordar todos os dias com aquele sol, aquele céu azul, e fazer tanta coisa naqueles dias longos que só escureciam depois das dez da noite, e ver aquele pôr-do-sol lindíssimo todo fim de tarde na Ponte Vecchio. Todo dia. Como era feliz sair sem casaco na cintura, sem guarda-chuva, sem preocupação e com o coração quente. E estudar na praça, e tomar sol de bici, e almoçar, jantar, viver ao ar livre... Como era feliz!

Certamente a mudança do tempo me faz ter uma estranha, mas tranqüila, sensação de que este é o tempo certo. O meu tempo certo de ir embora. O tempo certo para o fim do último tempo desta viagem - que já teve uma bela de uma prorrogação. É tempo de voltar pra casa.

CALÇADAS QUEBRADAS
Acho que o céu era sempre tão azul e o sol era sempre tão brilhante e quente, que eu não olhava muito para baixo. Mas estes dias tenho olhado, já que, com chuva, ando menos de bici e mais de sapato (alto). E estou desesperada com as calçadas de Firenze. São insuportavelmente apertadas, quebradas, sujas e "inandáveis".

É verdade que eu já tinha tropeçado algumas vezes e quase caído mais de mil, mas nunca tinha, de fato, me incomodado ou parado pra achar ruim. Porém agora, além de tudo, os buracos nas calçadas ficam cheios de água da chuva e você vive metendo o pé em poça d'água porque não dá pra desviar de todas. Fora que tudo aqui vive em obra e as obras comem as calçadas.

CLIMA PODEROSO
Mas não importa. A calçada era um adendo para registrar o poder do tempo. Do tempo que passa, do tempo que muda e do tempo que determina humores e comportamentos.

A gente que não tem isso no Brasil, às vezes não imagina a diferença brutal entre tudo e todos numa cidade que tem verão quentíssimo, outuno chuvoso, inverno freddo freddo e depois a primevara cheia de esperança... Firenze é assim. Acaba o verão e as pessoas começam a ficar tristes.

(Dizem que não é SEMPRE brusca desse jeito a mudança do tempo, mas este ano foi e foi isso que eu vi.)

Se chove, chove dentro e fora.
E aqui, agora, chove.
.

domingo, 14 de setembro de 2008

SORELLE FRATELLI FAMIGLIA

No fim de semana em que meu irmão querido veio me visitar, minha irmã japonesa, a Shinobu, teve pela primeira vez um irmão mais velho, as sorelle Fernanda e Stephanie passaram um dia inteiro com a gente falando sobre família, e conhecemos quatro irmãs americanas muito interessantes, com uma história diferente de tudo que eu já tinha ouvido nos meus 34 anos de vida. Tudo isso ilustra uma certeza deliciosa: ter irmãos próximos e amigos não tem preço.


TÔ TRANQUILO

Essa é a frase que mais sai da boca do Dudu, meu irmão. É a resposta dele para tudo. E não tem uma pessoa que não sorria quando ele diz "eu tô tranqüilo". E também não tem ninguém que não responda "ah, então eu também tô tranqüilo". E então é uma epidemia de gente tranqüila que faz com que toda a rua fique tranqüila, e todo o quarteirão fica tranqüilo, e a cidade inteira fica tranqüila, e toda a região, e até o país fica tranqüilo. Então não tem tempo ruim, não tem programa chato, não tem preocupação possível, não tem tensão, não tem nada de desagradável ou inconveniente. Ficamos todos tranqüilíssimos e os dias passam felizes e leves.

E depois que o Dudu vai embora, o "tô tranqüilo" dele permanece, na boca de todo mundo que conviveu com ele, e se propaga... pela classe, pela escola, pelo restaurante, pelas casas das pessoas. E, enfim, surpreendentemente no meio do caos fiorentino e italiano, tá todo mundo tranqüilo. E feliz.

Grazie.

ÔNIDJÔ
A Shinobu fez questão de conhecer o meu irmão. E, mesmo antes de ele chegar, já o chamava de ônidjô - irmão mais velho em japonês. Porque ela é minha onidjá, irmà mais velha. E eu sou imôto dos dois - irmã mais nova. Mas, enfim, Shinobu foi encontrar a gente à tarde e não nos largou mais até de madrugada. Ela estava feliz como eu jamais havia visto e não parava de repetir ônidjô, ônidjô, entre dentes que sorriam um sorriso gentil e grato. Mil vezes grato. Grazie, grazie, grazie, ela dizia incansavelmente a cada gentileza que o Dudu fazia. A cada taça de vinho servida, a cada comida ordinada, a cada sugestão, a cada palavra, a cada cuidado. Foi realmente bonita a feliciade dela - além de loucamente engraçado, porque ela é MUITO engraçada.

Mas a melhor parte veio na segunda-feira, depois que o nosso irmão já tinha ido embora. No intervalo da aula, a Shinobu veio sorrindo e me deu um abraço muito forte (japoneses não costumam abraçar, muito menos forte) e disse que tinha tido uma experiência muito muito especial. Disse que queria me agradece demais - e ao Dudu - porque ela nunca tinha sentido isso que a gente sente quando tem um irmão mais velho, alguém que se preocupa com a gente dessa maneira, que cuida, que acompanha. E, quase entre lágrimas, tentando se explicar em italiano, mexendo as mãozinhas japonesas, ela disse: porque sempre sou eu a ônedjá. Aqui em Firenze, principalmente, sou sempre eu a irmã mais velha. Sempre eu me preocupo com os outros, sempre eu cuido, sempre eu acompanho. Então me senti muito, muito feliz e especial quando seu ônidjô foi meu ônidjô também. Ela disse bem assim, emocionada: jamais vou me esquecer dele carregando a minha mochila!! Nunca ninguém faz isso pra mim. E finalizou: tô t-lãnquila.


OS QUINZE IRMÃOS
Sarah, Alisa, Nina e Maria. 16, 18, 25 e 20 anos. Irmãs. Americanas. Lindas. Meio loucas. Filhas da mesma mãe (louca também, segundo elas). Nina tem um pai diferente. Além das quatro, mais onze irmãos. Na verdade são dez da mesma mãe com cinco ou seis pais diferentes (as meninas não têm certeza), e mais cinco filhos que o pai das últimas três já tinha. Então a mãe tinha sete, o pai tinha cinco e os dois juntos tiveram mais três: exatamente elas, Sarah, Alisa e Maria. Agora são catorze porque um dos irmãos morreu (não sei em que circunstâncias, mas ainda vou perguntar porque não me agüento de curiosidade - profissional, sempre).

O irmão mais velho tem 35 anos e se chama Josh. A mais nova é a Sarah, de 16. A mãe é hippie e agora mora em Dallas, no Texas, com o pai das três. Elas viveram um tempo com eles, mas se encheram e mudaram pra New York. Foram morar com alguns dos outros irmãos. Nina morava lá também, em NY, mas nunca gostou e resolveu se mandar pra sempre e ficar na Europa. Chegou há alguns meses. E não deu notícias de onde estava. Mas Maria, Alisa e Sarah procuraram a irmã até achar e, assim que acharam, vieram visitar e passar um mês com ela. Chegaram no começo de setembro. Estão hospedadas no quarto da Nina - que é simplesmente um quarto comum, num apartamento comum de Firenze, cioè, pequeno.

Nina começou a dar aulas de inglês, mas não sabe como vai fazer pra ficar morando na Europa. Pensou em se casar com um amigo gay londrino, assim ela teria cidadania inglesa e ele teria o green card, mas acho que ela já está desistindo da idéia porque a coisa não é assim tão simples. Mas para os Estados Unidos ela, definitivamente, não quer voltar. A Nina não curte muito a mãe. Não estou segura mas alguém disse que ela não conheceu o pai e que a tal mãe hippie e maluca foi embora quando ela ainda era bem pequena. Quando a gente pergunta se ela se parece com a mãe, ela faz cara de "não tenho a menor idéia" e olha para as irmãs com uma interrogação na testa. As meninas dizem yessssss, sorrindo.

As quatro sorriem o tempo inteiro, sem disfarçar a alegria de estarem juntas. Durante o dia, enquanto a Nina vai para a escola de italiano e depois dá aulas de inglês, as três ficam no apartamento... Não fazem nada o dia inteiro. Não passeiam, não se importam. Só vieram mesmo para estar com a irmã mais velha - então quando ela não está, esperam. À noite bebem, bebem, bebem e tiram quinhentas fotos fazendo careta. Estão sempre grudadas, se abraçando, se enroscando, se pegando, muito, muito juntas. Elas são meio caladas, meio misteriosas, muito simpáticas. Parecem as Virgens Suicidas e têm o "ar" da Julianne Moore em As Horas - se bem que elas sorriem e a Julianne não. Difícil achar boas comparações. São four of a kind.

Maria namora um brasileiro de Floripa que mora em NY. Alisa quase não fala, só faz pose pras fotos. Sarah é a mais bonita das quatro, não dá pra acreditar que tem 16 anos, e tem um sorriso de arrasar o quarteirão. Nina tem os olhos mais lindos.

Além de todos os irmãos, elas já têm um monte de sobrinhos. Acho que 11, ou 13, ou 17!! Me prometeram que antes de 2010 me mandam uma foto de todos juntos. A Nina me prometeu também que vai me dar o telefone da mãe, pra eu fazer uma entrevista. Mas disse pra eu me preparar porque ela vai falar duas horas sem parar e pode ser que eu não suporte ouvir. A Nina é cítrica, embora doce. E certamente eu vou adorar ouvir a mãe dela falar.

No final eu as convidei para irem ao Brasil e disse que minha casa está aberta para hospedá-las - elas, os irmãos e os sobrinhos. Disse que meu pai iria adorar recebê-las (hm?). Elas se animaram e disseram que assim que tiverem dinheiro vão. Se aparecerem, juro, vou fazer uma festona: the brothers and sister's party. Já prepare os seus.

E quanto mais irmãos, melhor. Afinal, são eles (ou nós) que estarão lá, no fim de tudo, lembrando e contando as histórias da sua vida, da sua família, dos seus pais, de todos os dias da sua vida.

SORRY
Se você é filho único, não fique triste. Pelo menos ninguém pega as suas coisas, nem quebra os seus brinquedos, nem divide seus pais, nem te bate, nem te enche, nem te controla, nem te deda, nem te... Ah, tá bom, pode ficar triste. Scusa, mas ter irmãos é o máximo!

Grazie.
.

sábado, 13 de setembro de 2008

MIO AMATO MOTORINO

Uma das coisas de que mais vou sentir falta quando não estiver mais na Itália, e em Firenze, são os motorinos e suas donas. O desfile, o show, o espetáculo, os sons, a festa dos motorinos e suas "pilotas" pelas ruelas da cidade! É muito divertido. E eu amo essas motocas que preenchem Firenze de alegria!!

Eu optei pela bici porque ia ficar aqui pouco tempo, mas vou por aí todos os dias NAMORANDO COMO PAZZA os motorinos... todos os oitocentos e vinte sete tipos de vespa que a gente vê estacionadas em todos os lugares ou voando nas mãos de meninas, mulheres e senhorinhas italianas de todos os tipos, cores, credos e bolsos. As amigas se encontram, se despedem, andam em bando, em duplas, em trios, sempre em seus motorinos. Se eu morasse aqui - mas isso é certo! - eu teria uma vespinha!

A coisa é incrível: a chance de você ver duas motinhos iguais é tão tão tão pequena que em três meses eu nunca vi. Juro. Eu não vi dois motorinos iguais. Às vezes são bem parecidos, mas não são iguais. Fora que as mulheres sempre dão uma decoradinha, um toque pessoal. Tem mais velho, mais novo, caindo as pedaços, bem cuidado, azul, branco, rosa, roxo, com ou sem adesivos, fitas, enfeites, com muitas ou poucas histórias, mas cada mulher tem o SEU motorino - e o seu capacete -, todo particular. E todo interessante.


É tão incrível, que não me custa muito andar por mais de uma hora só olhando os detalhes das vespinhas estacionadas. É diversão na certa. Mais ainda quando as donas das motocas chegam e se preparam para partir... se sentam, telefonam, colocam seus capacetes, e se ajeitam com bolsas, sacolas, saias, sapatos e celulares. Ou então quando chegam, e tiram o capacete, desamassam o cabelo, arrumam a roupa, se olham no espelhinho, retocam a maquiagem, ligam para alguém enquanto giram a chave para fechar o cadeado. Tudo ao mesmo tempo. Mulher de motorino é mais multi-funcional do que nunca! (minha amiga Elisa tem uma técnica incrível de prender o celular no capacete para ir fofocando enquanto pilota, olha na foto! Parece o Pontcherello do Chips).

Mas é ainda mais interessante do que só o visual. O fato de dirigir uma motinho pra lá e pra cá dá a todas essas mulheres e meninas uma força italiana, uma autonomia que só vejo nas mulheres que andam de motorino. Uma classe diferente, um charme misterioso.

Até a minha professora de italiano anda de motoca. Eu nunca vi. Mas é uma festa imaginar essa mulher baixote de 50 anos pilotando a sua vespinha.

E são tantas e tantas pelas ruas. De todos os tamanhos e todas as idades. As mais inusitadas. Em todos os lugares. Mulher aqui só anda de motorino! E se você acha que não é legal, problema seu, porque ELAS NÃO ESTÃO NEM AÍ!
.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

SUGÓI IÔSHÍ!

Eles chegam de mansinho e pimba!, te dão um presentinho. E é sempre tão significativo ganhar um presentinho japonês que eu me emociono todas as vezes. Porque não é que eles sejam como a gente, que sai abraçando e beijando, ou que façam uma festa pra te dar alguma coisa em alguma data especial. Não. Mas quando têm um carinho especial por você, eles simplesmente vêm quietinhos do seu lado, sorriem, não dizem nada, e te dão uma coisinha, segurando assim com as duas mãos e oferecendo o presente na sua direção. É quase uma cena de filme publicitário em câmera lenta. É como se eles segurassem nas mãos toda a porcelana do mundo. É delicado e silencioso. E você, também em câmera lenta, recebe aquilo - também com as duas mãos - com uma leveza repentina que às vezes você nem sabia que pudesse ter. E o presentinho japonês pousa nas suas mãos abertas como uma relíquia, como um cristal, como um coração batendo.


Esta semana ganhei duas coisinhas de comer. E que me foram dadas exatamente como todos os outros presentinhos japoneses. Há sempre a delicadeza, o silêncio, o sorriso e as duas mãos estendidas, de coração para coração. Um amor oriental. Na terça, Mina me deu um pacotinho de biscoitos de arroz com shoyu. Na quinta, Yuya me sorriu com um saquinho de salgadinhos inacreditavelmente interessantes (ou interessantinhos). Seria comum, não fosse japonês, não fosse dado como é, com todo o ritual nô, em uma sala de aula italiana, entre croatas, colombianos, venezuelanos, coreanos, brasileiros, israelenses e turcos. No meio do caos italiano, os presentinhos japoneses silenciosos parecem um sopro de Deus sobre os meus pensamentos cansados de tanta gritaria, tanta grosseria, e tanta comida pesada!

E se você nunca comeu nenhuma dessas duas "porcelanas" japonesas, vá até a liberdade e compre pra experimentar. Deve ter. O biscoitinho de arroz e shoyu (na foto lá em cima) se chama qualquer coisa como OSÊNBÊI. O salgadinho vem nesse saquinho aí, não sei o nome, mas é um mix de 11 tipos. Vale a pena. E é mais saboroso ainda se for dado por um amigo japonês, em silêncio e entre os olhinhos que sorriem tranquilos e verdadeiros.
.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

È TUTTO LA STESSA COSA

Sim, é tudo a mesma coisa. Muda a cultura, mudam alguns costumes, muda o nível de calor ou frio do tempo e principalmente das pessoas, mas é tudo a mesma coisa. Todas as cidades, em todos os países... uguale. Aqui eles tém uma expressão para isso: "tutto il mondo è paese".

Na Itália, por exemplo, Roma é o Rio de Janeiro ou as cidades grandes do nordeste, e Milão é São Paulo. Na Croácia, Zagreb é SP ou Milão, e toda a costa croata é o Rio e o norte do Brasil. Até no Japão é igual: Tóquio e Osaka. Nessa ordem, respectivamente. Falamos sobre isso hoje na aula e eu nunca tinha me dado conta do quanto é exata a comparação.

E Firenze é uma píccola Roma.

Roma e Firenze são caóticas, e isso eu já falei. Mas é demais, demais, demasiadamente desorganizado. Tudo desorganizado. E as pessoas demoram demais, demais, demais pra te atender, pra te entender, pra fazer qualquer coisa. Só são rápidos na grosseira e na gritaria. E a inteligência é curta, curtíssima. Já Milão, não. Milão é organizada. É eficiente. É tudo pra ontem. É tudo execelente. Mas é tudo estressante. (E é por isso também que eu estou em Firenze e não em Milão).

Firenze foi construída ao redor do Duomo, por isso é toda irregular. Foram cosntruindo as ruas de qualquer jeito. Nada é reto, nada é lógico, nada é minimamente ordenado. E como eu já tinha dito: ninguém tá nem aí. Roma é a mesma coisa.

Firenze não tem gelo. Não tem gelo pra comprar em lugar nenhum. Simplesmente isso não existe aqui. Nos restaurantes, às vezes, com sorte, te dão um pouquinho se você insistir. Nos bares, só para quando a bebida REALMENTE demanda. Nas casas dos italianos, raríssimo, raríssimo!!

Em Firenze, o pessoal trabalha de manhå, vai pra casa almoçar, descansa umas duas horas. Volta às 15h30, trabalha mais um pouquinho - e bate papo bastante - e depois vai pra casa descansar de novo. Sexta à tarde, muitos nem trabalham, já começam o findi venerdi-mezzo-giorno.

Em agosto tudo fecha porque eles vão de férias. Tem até hotel que fecha, juro!

E se alguém de Milão vai viver em Roma ou em Firenze, no começo é aquela tortura. E tem que se acostumar. Tem que reduzir a velocidade, tem que se conformar em diminuir a qualidade do trabalho - sim, porque o trabalho em Roma è "cosi". Bem assim. Bem mais ou menos. Sem grandes esforços ou grande preocupação em fazer a coisa bem feita. Nada. Pra quê? O que importa é fazer de um jeito que funcione meia-boca e ir logo pra casa ou pro restaurante ou pro bar (que fecham, alguns às 11h, alguns à miea-noite, no máximo às 2h.). Então é a velha e boa questão do "se acostumar" a mudar o ritmo entre Milão e Roma, São Paulo e Rio. Tóquio e Osaka... E em qualquer lugar do mundo.

E qualquer um para fazer essa mudança de ritmo precisa receber de Deus uma parcela a mais de paciência. Portanto as pessoas também são tutto la stessa cosa.

E eu nem sei por que escrevi tudo isso. Eu só queria dizer que Roma é o Rio e Milão é São Paulo. E Firenze, eu diria, é Recife. Com direito a Olinda ao redor da Santa Croce (isso quem disse foi meu irmão e achei que ele tem toda a razão. Eu nem tinha me dado conta, mas as ruas de paralelepípedos e cheirando a xixi só faltam ser ladeiras para transportar Firenze a Pernambuco).
.

domingo, 7 de setembro de 2008

PEQUENOS MILAGRES

Primeiro foi a Ivandra, minha mestra - a melhor editora do mundo -, que veio a Firenze quando eu já estava aqui. E reservou, sem saber, exatamente o hotel onde eu ia morar. Sem saber. Juro. Com mais - muito mais - de mil opções em Firenze, ela reservou e-xa-ta-men-te o mesmo hotel. E era um hotel qualquer. Enfim. Dois milagres, de cara: minha mestra vir e escolher o mesmo hotel. Sur-re-al.

Agora, a Fafá. E só vou escrever mais quando eles forem embora. Porque Fafá e Nandão estão aqui neste fim de semana. Fazendo uma viagem para comemorar dez anos de casamento, 22 de abril de 2008, e 15 de namoro. E eles foram os meus primeiros afilhados de casamento. O presente quem ganhou fui eu. E, se você não acreditava em milagres repetidos, eles estão hospedados na mesma rua que eu. E a rua é micro. São meus vizinhos de muro. Sem saber. Juro.




sexta-feira, 5 de setembro de 2008

PESSOAS II

Muitas pessoas passam por mim em Firenze. Algumas vão sem quase serem notadas. Outras, agarro pra mim. Sobre algumas eu já falei. Sobre outras, falarei agora. Algumas já passaram e já foram embora. Outras ainda estão aqui. E todas valem a pena por alguma razão. Gente sempre vale a pena por uma ou outra razão.

ALUIZIO
Um dia cheguei no albergo onde eu morava e o italiano grosso que vem a ser o dono do lugar - e que eu pensei que fosse uma exceção entre todos esses italianos loucos e grosseiros - resolveu que eu deveria pagar o dobro do que pagava nos primeiros dois meses. Desse jeito. Do nada, out of the blue, subito. Porque setembro é assim, ele disse. Não importava se eu morava lá fazia dois meses, se já tinha levado um monte de amigos e até desconhecidos a se hospedarem lá, se eu tinha sido sempre simpática e educada e se tinha até dado presentinhos pros filhos dele. Nada importava nem para me dar a chance do diálogo. Ele resolveu que era aquilo e me comunicou. Pois eu resolvi que me mudaria de lá imediatamente e me mudei. No mesmo dia. Atravessei a rua e achei lugar no Desire. Nada podia ter sido melhor. Meu hotelzinho novo é muito mais charmoso e aconchegante, ganhei um frigobar incrível para gelar minha água nesse calor do cão, e, de quebra, ganhei o Aluizio, o amigo mais legal - e leal - da cidade. "Diz-que" ele é de Recife, mora aqui em Firenze há 13 anos, trabalha neste hotel há 10, tem me ajudado com o italiano e me faz rir todo dia - o que faz um bem danado, principalmente nos dias de saudade! Em uma semana, o Aluizio já disse algumas das expressões mais engraçadas que ouvi na vida: 1-"Baixou a piniqueira" (de penico mesmo), para quando você faz aquela faxina CAPRICHADA, passa o dia limpando a casa, o quarto, as coisas todas, faz compras no super, arruma tudo bem arrumadinho, do jeito que meu pai gosta. 2-"Vai dar a Elza", ou algo do tipo: essa ele disse quando duas meninas iam levando os copos de um bar embora, andando pela rua, como se nada estivesse acontecendo. Parece que ele conhecia uma Elza que nunca saía de casa para lugar nenhum, mas sempre pedia pros amigos levarem coisas pra ela. E o povo levava. Então "dar a Elza" é quando você sai dos lugares levando as coisas... também vale pra docinho em festa de criança e pra bem-casado: "vou levar pra Elza" (eu sempre dizia que era pra minha vó!). Mega golpe. 3-Uma das melhores, até pra mim que amo criancinhas: "meu momento Herodes", quando ele contou que não estava mais su-por-tan-do os filhos de uns amigos correndo e gritando pra lá e pra cá durante o jantar. Ele é MUITO engraçado. Simpático e gentil SEMPRE. Ainda mantém um sotaquezinho bom de pernambucano e me lembra a Margarida, claro. O Aluizio alegra minhas tardes de setembro.


STEPHANIE
Bom, a Stephanie é a minha melhor companhia. Paulistana do Itaim "básica", 19 anos, estudou no Dante, chegou em Firenze em junho e vai passar pelo menos quatro anos aqui estudando moda na universidade. A irmã dela, a Fernanda, mora aqui há mais de dez anos, é casada com um italiano e tem dois filhos fofos, o Giorgio e a Isabella - que me fazem morrer de saudade da Sofia porque falam português com sotaque, como ela. Logo que chegou a Firenze, a Stephanie começou a trabalhar num restaurante na praça do Mercato Centrale e, de cara, já surpreendeu a família inteira, que não sabia que a filha mais nova era tão esperta, disposta e capaz de trabalhar bem e se virar sozinha (filhas mais novas sempre enfrentam essa sina, eu sei bem). Um dia, logo que eu cheguei, passava lá na frente do restaurante e ela me chamou: Ciao! Ciao. Você é brasielira, né? Sou. Ficamos amigas e não nos largamos mais. Ela me traz todas as boas recordações de quando fui estudar em Boston com 17 anos, em 1992. E eu aprendo muito com ela, que é uma das pessoas mais flexíveis e bacanas que se pode encontrar. Está sempre sorrindo. Até trabalhando. Sempre tranqüilona e sorridente. Tem cabelos e dentes que brilham - e olhos verdes que brilham mais ainda! E está sempre emperequetada. De um jeito que SÓ ELA pode fazer. Se eu usasse metade dos dourados que ela usa, dos anéis, das pulseiras, dos colares, dos brincos enormes, dos vestidões estampados, da maquiagem, do rímel e do rosa nas unhas, eu seria uma árvore de natal ambulante. Mas ela fica linda, elegante, simpática e estilosa. Aparece cada dia com uma coisinha nova, um detalhe diferente e cuidadosamente escolhido. E sempre bacana e interessante. A companhia dela é sempre boa, pra tudo. A gente já tenta brigar um pouquinho de vez em quando, como irmã mais velha e irmã mais nova (como ela briga às vezes com a Fê), mas até nessas horas ela fica sorrindo - e então quem consegue brigar? Eu não consigo. Graças a Deus.


ELVANA
É albanesa. Trabalha há seis anos no Vecchio Mercato - o mesmo restaurante da Stephanie. Ela vai trabalhar sempre de motorino, mas o médico mandou ir de bike para exercitar as pernas, É hostess e eu gosto dela, mas a Stephanie começou a detestá-la. Aliás, os albaneses são absolutamente odiados em Firenze. Há milhares deles trabalhando por aqui. E são estranhos mesmo. A Elvana, entre idas e vindas, mora na Itália há 16 anos. Tem 27. E tem um filho de 6, lindo, fofo e bem inteligente: o Cristian. O pai dele é italiano, mas ela não gosta de falar nisso - provavelmente ele a traiu e foi embora com a outra. Eu acho que nenhum italiano fica, de fato, com uma albanesa - pelo menos não em Firenze. Se bem que eu já soube que o dono do restaurante trocou a esposa por uma dessas mulheres do país que começa com A (falamos assim para que eles não nos entendam. Meu Deus, somos maus!). Um dia a Elvana me convidou pra comer uma pizza com ela e com o filho, para eu conhecê-lo. Foi gentil da parte dela, mas foi tudo muito estranho. Foi, assim, um evento meio formal. Tudo muito estranho. Os não-brasieliros, juro, são todos muito estranhos. A Elvana faz faculdade de Economia - não sei pra quê porque ela não pretende trabalhar com isso - e trouxe os pais da Albania para cuidarem do filho enquanto ela trabalha. Não deve ser fácil a vida dela. Mas é impossível desenvolver uma amizade. A gente tentou. Mas realmente tem ali qualquer coisa que não vá bene. Não é preconceito: albaneses são definitivamente estranhos. Mas quando ela anda de motorino parece uma itliana como outra qualquer.


ELISA
A Elisa, sim, é uma ragazza típica, fiorentina total. Em vez de COSA, diz RÔSA. Porque os fiorentinos dizem o C com som de R. Secondo me é SERRÓNDO me. É som de RR, mas não aquele de vó. É o nosso normal, de rosa, roxo, cachorro. E eles falam tão rápido com os "RR"s no lugar dos "C"s que só Deus ajuda a entender. A Elisa fala fala fala, rápida e atropeladamente, e eu sorrio como se entendesse tudo. Mas, é duro, não entendo nem metade. E ela ainda tem a língua presa. Mas tenho vergonha de dizer pra ela que não capisco. Então vou reagindo como se entendesse tutto. Por isso ela pensa que sei muito mais sobre a vida dela do que realmente sei. Sei que tem um metro e meio de altura, uns 45 kilos e menos de 20 anos. Quando sorri, espreme os olhos e é uma das poucas italianas que tem dentes (de leite!) bonitos (falarei sobre isso em outro momento, mas os dentes desse povo são inacreditavelmente mal cuidados). Elisa trabalha no Zazá, outro restaurante ali na Piazza do Mercato. Ela sempre me ajuda a escolher o que pedir, e eu adoro - porque me tornei a pessoa mais indecisa do mundo! Um dia ela estava bem tristinha e eu inventei de perguntar por quê. Começou a chorar e me disse que o namorado tinha batido nela. Eu não podia imaginar como aquilo seria possível porque se um homem der um tapa naquela menina, ela voa longe e se quebra inteira. Mas aí ela me explicou melhor: ele me bateu com palavras e me machucou muito. Ai, foi de uma doçura que eu não sabia se ria ou chorava com ela. No outro dia, ele deixou um bilhete lindo e rosas vermelhas no motorino dela e ficou tudo bem. E isso é tudo que sei sobre a Elisa.


JESSICA
Ela também é super fiorentina. Também troca o C pelo R. Também tem 19 anos - ou 17, esqueci -, e também anda de motorino. (Motorino é a Vespa - o transporte de 90% da população fiorentina) O da Jessica é rosa. Tudo dela é meio rosa. O motorino, o capacete e as bochechas do namorado, o Nicolá. Ela trabalha no albergo onde morei em julho e agosto. Me tratava como una sorela. Me fazia café todas as manhãs e separava comida pra eu levar pra aula quando saía atrasada e não tinha tempo pra fazer colazzione. Estuda qualquer coisa ligada a hotelaria e trabalha no hotel nas férias para ir aprendendo. Mas vive reclamando do chefe - que é o tal italiano estúpido que resolveu me cobrar mais do dia pra noite. A Jessica ficou arrasada quando eu me mudei. Mas nunca apareceu pra me visitar. E é só atravessar a rua. Os italianos são assim: você até pensa que eles se apegaram a você, mas não. Eles não criam laços com estranhos. Muito estranho.


SPERANZA
Tem uns 60 anos, é uma das 927 albanesas que habitam cada quarteirão de Firenze, e limpa os quartos do meu antigo hotel. É uma figura, figura, figura. Não perde a chance de fazer a velha piada e diz que será a última a morrer. Adora receber elogios e vive repetindo que é brava, bravíssima! Desde o primeiro dia ficou cheia de amores comigo: bambina mia, mi amore, mi amica, mia Giuliana, pícola, picolina mia. Até chorou quando eu ia saindo com as malas. Mas eu vou ali pro outro lado da rua, Spressa (o nome em albanês), ainda vamos nos ver. Mas não é a mesma coisa, ela disse. E eu gostava de arrumar o quarto pra você. Ela adora se mostrar linda e jovem. Super se arruma depois de trabalhar na limpeza das stanzas o dia inteiro. E vive contando dos homens que mexem com ela quando ela passa toda arrumada pela rua. É vaidosa no nível máximo. Me mostrou dúzias de fotos do filho e da filha (que tem umas fotos de "modelo e manequim" hor-ro-ro-sas, coitada). Me pediu pra ensiná-la inglês porque o filho namora uma americana e precisa falar com a mãe dela. E com os hóspedes. Ensinei um pouco. Foi engraçado. E sobre o marido ela diz que ele era lindo, de cinema. Hoje é bem barrigudo e feio que dói. Segundo ela, devia ter dito NÃO pra ele, ficado solteira, e se tornado uma atriz famosa. "Porque, na verdade, era esse o meu destino. Mas eu escolhi errado: casei. Agora já foi. Estou aqui limpando banheiros" - e encheu os olhos de lágrimas. A vida è così, Spressa, è così - eu disse. Que que eu podia dizer? Respondo a mesma coisa pra mim, às vezes. È così, È così.


MANOLA
Minha professora do nível quatro. Não tem igual. Dá aulas nessa escola há 16 anos. Mas é laureada em russo e lá nos anos de ragazza trabalhou como intérprete para uns caras levemente perigosos. Na sexta passada ela levou a filha pra nossa aula porque não tinha com quem deixar. São italianas italianas italianas. Manola fala com as mãos, é super palhaça e cheia de caretas e interjeições. Dá até uma aula da língua dos gestos dos italianos. É de chorar de rir. O melhor dos gestos, secondo me, é passar as duas mãos como se alisasse uma barba comprida dividida em duas partes, do queixo para baixo. Duas pontas muito compridas de uma barbicha partida ao meio. Alisa bem alisada, do queijo até quase o pé, com as duas mãos ao mesmo tempo, paralelas, uma em cada parte da barba. E significa que a coisa está molto, molto, molto tediosa... INSOPORTABLE! Quando, por exemplo, alguém está te contando uma história que não acaba nunca mais, você pega e começa alisaaaar a barba, e alisa, e alisa... Além dos gestos, a Manola diz que os italianos, principalmente os maridos italianos, são as pessoas mais dramáticas da face da terra. Secondo ela, com 36,5 de febre, eles vêm se arrastando e dizendo que estão à beira da morte, com as mãos na cabeça como quem arranca os cabelos, e juram que precisam ir urgente ao hospital. E não sabem fazer nada sem a mulher. Mas o brasileiro não é assim também? E, a melhor: Manola contou que dá aulas privadas para estudantes que, às vezes, demoram tanto pra ler um texto que ela doooorme na mesa. De olho aberto pro estudante não notar!!!!


STEFANO
Meu professor do nível três. Ele é pintor. E acha Firenze uma velharia. Diz que está tudo caindo aos pedaços, que é tudo velho demais e ultrapassado. Inclusive os italianos. Detesta. Mora aqui porque sempre morou. Mas detesta. É muito tranquilão, divertido e ensina bem demais. Usa sempre adjetivos interessantes e bem pronunciados quando vai nos passar uma lição ou uma tarefa. Vejam este FANTÁSTICO exercício. Vamos fazer um STUPENDO escrito. Façam esta MARAVILHOSA leitura. Aí vai o SIMPÁTICO compiti para domani. E, entre dez palavras, diz umas quatro vezes uma das minhas expressões fiorentinas favoritas: ACCIDENTI!! - que significa NOSSA!, no sentido de Nossa Senhora mãe de Deus, Jesus, Maria, José!!!! Amo, amo, amo.


MOIRA
A Moira salvou meu primeiro mês de italiano. Ela veio substituir a primeira professora, que era uó. Tem a minha idade, exatamente. É magérrima e engraçadíssima. Mas ela não faz palhaçada, como a Manola. É engraçada por natureza. As expressões dela, que eu também adoro são MA DAI! e MAGARI! Moira é casada com um americano e eles vivem se pegando porque um fala mal do país do outro. Ele detesta morar na Itália e conviver com os italianos mal educados e ela detesta a "América" do Bush. Mas acho que se amam. Os dois dão aulas na universidade. Ela só dá aula de italiano nas férias de verão. Durante o ano ensina história da arte. Se locomove de bicicleta e um dia chegou na aula louca da vida porque roubaram a dela. Bastardos!!! Relatou como gostaria de ver esses ladrões serem assassinados e jogados no rio para todo mundo vê-los boiando pelo Arno. Adora o Brunello de Montalcino Banfi e passou a madrugada fazendo guerra de neve com o marido e os vizinhos na última vez que nevou em Firenze, depois de mil anos, em 2006, acho. Minha proff preferita.


JANETE
Ai, a Janete é um sonho. Tem 63 anos, mas parece 50. É mineira e tem a melhor risada do mundo. Já falei nela, mas quero falar de novo porque ela me deu uma lição de vida esses dias. Janete veio pra cá estudar italiano em julho, só um mês, e eu tive a sorte de cair na classe dela. Foi embora antes de julho acabar. Mas a Janete veio, principalmente, atrás das suas raízes. O avô dela é de Lucca, a cidade mais fofa da Itália. E ela até chorou na classe quando disse que tinha vindo para conhecer a cidade e que tinha sido muito emocionante ir até lá. Eu chorei junto, claro. Fui lá abraçar ela e ficamos chorando enquanto a classe aplaudia. Isso também foi emocionante! Bom, a Janete foi embora e nos falamos dia desses, pelo Skype (ela é super internética!). Sempre nos falamos. Uma das filhas dela está grávida. Já tem uma turma de netos, e vem mais um. E então outro dia fizeram exames e descobriu-se que o novo netinho nascerá com a Síndrome de Down. Na primeira vez em que conversamos ela disse que ainda estavam um pouco assustados mas que iriam ficar bem. Quando nos falamos de novo, ela foi categórica: agora estou tranqüila e feliz, já entendi que isso é uma benção de Deus. Essa criança vem para preencher a minha velhice, vai ser a minha maior companhia, o meu anjo. Aí eu chorei de novo, uai. Se o neto da Janete é especial, ela é muito mais. Não é qualquer um que pensa uma coisa linda dessas. Não é qualquer um que aos 60 anos vai estudar italiano na Itália com um bando de adolescentes chatos, que se hospeda numa casa de uma senhora italiana sem nenhum conforto e que ainda vai atrás de suas origens numa cidadezinha murada. Janete Lucchesi, de Lucca, que eu tive o prazer de conhecer em Firenze, é muito especial e me deixou mil saudades.


HELENA
Nunca falei da Helena e não sei como. Ela completava o nosso trio de julho. Helena, Janete e eu. É de Porto Alegre, mas mora há anos com o marido e os filhos em Friburgo. Tem duas meninas e um menino. Todos adolescentes. O mais novo é filho adotivo. Ela e o marido resolveram adotar uma criança quando as meninas cresceram um pouquinho. História linda e um exemplo que, se fosse seguido por só metade das famílias brasileiras com condições de criar mais um, daria esperança, oportunidade, um lar e amor para milhares de crianças sem pais espalhadas pelo nosso país. Milhares de crianças que esperam. E a Helena, por si só, não espera, faz - e é um exemplo. Convivi bastante com ela, mas demorei a saber que ela tinha enfrentado e vencido a doença cujo nome a gente não gosta de dizer. Ela tem 40 e poucos anos e acho que essa coisa aconteceu há uns três ou cinco. Ela teve de fazer todos aqueles tratamentos e tirar um seio. E está aí, firme e forte, cheia de planos pra família, cheia de energia, vindo estudar um mês sozinha na itália - para matá-los de saudade. E ainda fez o curso de culinária comigo. Anotou tudinho pra fazer pro marido e pras crianças. Ela me divertia demais nas aulas de cozinha, super despojada. "Eu não vou achar esse queijo nunca em Friburgo! Naquele lugar só tem mercadinho e olhe lá! Você vai me mandar de São Paulo pelo correio." Foi uma amigona. E rimos demais juntas, ela, Janete e eu. Eu ficava entre o sotaque gaúcho dela e o mineiro da Janete e era feliz. Fui muito feliz com elas. E aprendi um monte de lições. Se eu "envelhecer" como elas serei a pessoa mais feliz do mundo! Mas o detalhe mais interessante sobre a Helena é que ela trabalha aconselhando as pessoas sobre investimentos na Bolsa de Valores. Não, você jamais poderia pensar que esse era o trabalho dela. É veramente inusitado!

Olha, tem muita gente inusitada neste mundo!
E eu sou uma felizarda por conhecer tantas dessas gentes!
Gente é pra brilhar! (disse bem o Caetano)
.