domingo, 13 de julho de 2008

UMA TARDE NA PONTE VECCHIO

Você se senta sobre a ponte, sob o sol, e vê a vida passar. Vê as pessoas passarem. Vê o tempo, que passa na ponte. Sobre o Arno, sem ar no peito. Passa o mundo.

Você pensa no tamanho de tudo, na quantidade de gente, em como são todos diferentes mas iguais.

Casais, crianças, ragazze, ragazzi, velhos, muletas, bengalas, mãos dadas, carrinhos de neném, ninguém e todo o mundo.



Uma nuvem cobre o sol e esfria o dia. Depois passa, como toda a gente sobre a ponte. E de novo fica quente. Como na vida. A nuvem vem e vai. Esfria, esquenta, esfria, esquenta.

O importante para sentir é parar um pouco e observar a beleza de tudo. Do céu, do sol, das pessoas, da ponte, das mãos. E até da nuvem. Que passa.

De onde será que vem cada um? Para onde vai? Que importa? Cosa? Uns andam, outros param, uns correm, outros se sentam. Uns sentem, uns sorriem, outros mentem. Você olha.

Crianças fixam o olhar nos seus olhos como se tentassem dizer qualquer coisa, mas você não entende. Olha e tenta escutar, mas vê e não entende. Escuta e não entende. Como tantas conversas que passam pela ponte: você escuta e não entende. Como a vida.




Há mulheres em vestidos de todas as cores e com bolsas de todos os tamanhos. E há maridos com bolsos suficientes para as jóias das lojas sobre a ponte. Ou não. Ou nem maridos há, nem bolsos. Mas mesmo assim o sol está lá, e pode haver jóias e pode haver brilho. Magari.

As pessoas todas tiram fotos e você se pergunta por quê, pra quê. Você também tira fotos e não sabe exatamente a razão.


Como é que a gente faz pra guardar para sempre um momento, uma vista, um amor? Na foto? Você se pergunta se essas fotos não serão rasgadas ou apagadas um dia. E , se apagar a foto, apaga o momento? E você mesma se responde: não.

Você vê gente que nunca mais verá e gente que nunca mais voltará a passar por esse caminho, por essa ponte, por esse momento, aqui. Talvez nem você volte. Mas que importa? Há tantos outros lugares e tantas outras pontes e tantos outros momentos... E para quê? Quem sabe? Apenas há e você existe para ver. Talvez porque a vida seja isto: ver. Em italiano: sentire, guardare. Sente e guarda.

(Sentada aqui na ponte sinto. Muita gente e muita coisa. Il sole. Sola, sinto que as pessoas são mais importantes do que os lugares. Sinto e guardo.)

A tarde vai. A muçulmana vai, a freira vai, a anã e o anão vão. A magrela, a gorducha, as japonesas, os americanos. Algumas bicis vão. Alguns cães. Os carabinieri, as cadeiras de rodas. Todos vão. O mundo vai. Você fica.

É impressionante como não há um único momento em que não passa ninguém. Na ponte, no pensamento. Como é que a ponte descansa? Não descansa. Como a vida.

Mas o mais bonito de tudo, você sabe e sente, é que o melhor lugar do mundo é a sua casa, o seu país, a sua família, a sua gente, os seus amores. Diante do mundo, você sente. E sabe que é pra lá que vão voltar todos depois de passar pela ponte. Hoje, amanhã, depois ou um dia. A gente passa pela ponte, vai, e volta pra casa.

Tem uma mulher de burca branca com uma máquina fotográfica maior do que ela no pescoço. Não combina. Mas ela existe. Então você se dá conta de que nem tudo que existe junto combina. E nem tudo que combina existe junto. Nem na ponte, nem na vida.

Ela, de burca, me vê e tira fotos de mim. Não sei por quê, nem pra quê. Não importa. Me deixo fotografar. Talvez à espera de que alguma coisa mágica aconteça. Mas sei que nem mil fotos podem me roubar a alma ou o momento. Nem congelar um ou outro. Nem mil fotos podem me salvar se a ponte cai. Nem mil fotos podem fazer de mim a mesma pessoa todos os dias. Ou outra. E porque eu não acredito, nada acontece. E então a muçulmana vai e me leva. Para algum lugar onde nunca estive. Mas estarei. Dentro de uma máquina maior do que o coração.

Chineses, coreanos, indianos, africanos e não-identificados espalham as suas mercadorias sobre a ponte. Espalham sobre a ponte os seus sonhos e as suas preces.

Vão e vêm, como vai e vem a polícia que lhes rege os passos e as chances. Mais vão e vêm do que vendem qualquer coisa. E vendem de tudo: bolsas, óculos, relógios, esculturas, tripés, brinquedos, esperanças. Olham desconfiados, abrem e fecham sacolas, não descansam. No chão, nas costas, na ponte. Não se desligam uns dos outros. Como na vida. (?)


Que será que essa ponte liga, você tenta entender. Um lado ao outro? O bem e o mal? A alegria e a dor? O sucesso e o fracasso? O novo e o velho? O começo e o fim? A prisão e a liberdade? Ou será que a ponte separa? Tudo de tudo? Nada de nada?

Tem gente que passa pela ponte porque precisa. Outros só querem. Do que você precisa? O que você quer?

Sente. Guarda. É tudo a mesma coisa.

Então você se levanta, sob a lua, sobre a ponte, e vai.

Vai!
.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sabio é quem monotoniza a existência, pois então cada pequeno incidente tem um privilégio de maravilha.

Anônimo disse...

Lindo!! Que inspiração... apesar da ponte vecchio parecer uma favelinha é bonitinha... e realmente inspira pelas pessoas que passam... ;*