quinta-feira, 7 de agosto de 2008

SONO PELLEGRINO

Ele se sentou numa mesinha bem na minha frente, no Vecchio Mercato (meu restaurante predileto em Firenze). Sentou bem de frente pra mim. Era impossível não notá-lo. Era como se ele tivesse sido colocado lá exatamente para que eu o notasse. Loiro, lindo, bronzeado, sorridente. E parecia tão, mas tão simpático que ficar olhando pra ele sem parar era inevitável. Ele estava sozinho. Era transparentemente sozinho. E incrivelmente interessante.

Então o ragazzo olhou o cardápio, escolheu a comida, pediu uma salada e um risotto num italiano super esforçado, e perguntou para a garçonete (minha amiga brasileira Stephanie) se o vinho da casa era bom. Eu, sabe-Deus-por-quê (ou porque já não podia esperar mais pra falar com ele), peguei a minha taça, "coincidentemente" cheia do vinho tinto da casa, e levei pra ele: "try it", eu disse, como quem diz "ah, você não merece estar aqui SOZINHO nesta mesa sob o sol e o céu maravilhoso de Firenze, vem ser nosso amigo...".

Ele rasgou um sorriso sem graça, ficou roxo, e então agradeceu, provou, e pediu uma garrafa. Do vinho branco. Começamos a conversar e não paramos quase nunca mais. Ele veio se sentar na nossa mesa (eu estava com a Shinôbu, minha irmã japonesa) e falou sem parar, pra nossa alegria. Porque foi uma delícia ouvir o que ele tinha a dizer - e ficar olhando pra ele enquanto ele dizia o que tinha a dizer.

Ferdinand. Austríaco. Nasceu em Salzburgo e mora em Viena. Coincidentemente de novo, as duas cidades austríacas que conheci. Ele tem 25 anos, olhos verdes, estuda International Business Administration, e gosta de andar. Gosta MESMO. Está andando há mais de 20 dias. Saiu de Viena e vai terminar a viagem em Roma, daqui a mais ou menos uma semana. Sim, é isso, ele está viajando de Viena a Roma à pé. "Sono pellegrino", ele diz, gastando duas das oito palavras que sabe dizer em italiano. Ele tem andado quilômetros debaixo desse sol escaldante. Por isso está bronzeado. E, talvez por isso também, seja tão bacana e tenha histórias tão interessantes pra contar.

Shinôbu e eu nos apaixonamos por ele. E acho que ele também se apaixonou por nós - ou pela oportunidade de falar sem parar, já que não conversava com ninguém fazia tantos dias. Disse que é tímido (é nada!) e que nunca puxa papo com ninguém em lugar nenhum (duvido!). E passou a noite inteira me agradecendo por ter começado uma conversa com ele. (Eu também passei a noite inteira ME agradecendo!).

Esta é a segunda viagem que ele faz à pé. Antes passou 30 dias andando pelo Caminho de Santiago, na Espanha. Mas disse que não fez a coisa convencional, foi por outras estradas. Ele detesta o convencional, repetiu mil vezes. Comprou, por exemplo, no meio da auto-estrada na Bologna, uma bicicleta velha de um mendigo por 30 euros. Saiu andando feliz da vida e demorou 5 km para se dar conta de que ia na direção errada. Fez meia volta, andou voltando os 5 km errados e... paf!: a bicicleta quebrou. Ele diz que olhou pro céu e disse: tá bom, Deus, entendi que é pra eu andar e não tentar dar um roubadinha fazendo um pedaço chato do caminho de bicicleta... tá bom, entendi! Largou a bicicleta quebrada quase no mesmo ponto onde a tinha comprado e saiu andando pro lado certo. "E ainda por cima eu vi que o mendigo pegou o dinheiro que eu dei e comprou uma pinga!!".

Ele tem idéias bastante interessantes a respeito de um monte de coisas, mas sempre se pergunta se é tudo interessante mesmo, se tudo faz sentido, se ele não é um cara que gosta de sair andando porque nunca vai conseguir se comprometer com nada. Mas ele tem um jeito de falar que te dá vontade de sair andando junto no dia seguinte. E se comprometer com ele. (Bom, não é só por causa do jeito de falar... )

Por falar em dia seguinte, a última das várias coincidências que foram cruzando o nosso encontro aconteceu no dia seguinte, de manhã. Ele ia indo embora de Firenze, com a mochila nas costas, às nove da manhã, e eu vinha vindo de bici, a caminho da escola, e nós nos cruzamos! No meio da cidade, que tem mil e oitocentas ruazinhas, nós estávamos exatamente no mesmo lugar, no mesmo momento, e nos cruzamos - de novo. Abraço. Take care. É bastante inacreditável. Yes, it is! In the middle of the street... In the middle of life... In the middle.

IN THE MIDDLE
Ferdinand me falou muito sobre uma teoria que se repete na vida dele. Não entendi exatamente o nome da coisa, afinal ele falou em alemão. É verdade que repetiu umas oito vezes, mas eu não posso reproduzir de jeito nenhum, não tenho idéia. Mas a coisa se resume a "estar sempre no meio", nunca de um lado ou do outro, mas sempre no meio, como que estacionado, stuck in the middle of everything. Não é lá uma coisa boa na opinião dele porque é como se você não conseguisse sair desse estado de estar no meio, de nunca estar indo veramente para algum lugar... É uma sensação de estar num limbo, num movimento sempre repetido de ter qualquer coisa deixada para trás mas não chegar no que tem à frente. Não é muito fácil de explicar por escrito. Mas é bastante instigante. Existe um livro sobre isso, ele disse, de um alemão. Assim que eu descobrir como se escrevem os nomes deles - do livro e do autor - escreverei.

Por enquanto, vou pensar se eu estou stuck in the middle ou se já cheguei a algum lugar.
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Um comentário:

Anônimo disse...

Menina,
babei.
que homem lindo, que história maluca.
Esamos sempre no meio. você deveria ter sugerido ao gringo ser o final dele, oras..
bjs