quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

OURO LADEIRA PRETO

Eu queria ir embora, confesso.
Assim que entramos na cidade, eu queria fugir. Como ninguém me avisou que Ouro Preto é pior do que Olinda? Sim, porque eu tenho sérios problemas em estar dentro de carros na subida de ladeiras muito acentuadas. SÉ-RIOS problemas. E não é só uma sensação. Eu passo mal, choro, penso que vou morrer. É mais forte do que eu. Muito mais forte do que qualquer pensamento positivo. Portanto, quando o nosso carro começou a subir aquelas ladeiras de pedras, pedronas, pedrinhas, na noite escura, à procura do centro da cidade, sem pistas, eu simplesmente não sentia mais o meu coração bater de tanto nervoso.

- Pelo amor de Deus, não sobe essa parede (fechei os olhos e comecei a chorar), digo, ladeira, implorei eu, como última tentativa antes de abrir a porta e me jogar no paralelepípedo. Não é possível que o centro seja pra lá, esta é a ladeira mais absurda que eu já vi na vida!!

Convenci. Paramos de subir. Meia volta. Parei de chorar. Abri os olhos e voltei a sentir o coração. Mais tarde descobriríamos que aquela era mesmo a ladeira mais íngrime da cidade inteira - a que leva para a Igreja de Santa Efigênia, dos escravos - e que subir de carro ali não é pra qualquer um. Imagina eu! No outro dia subimos andando e quase morremos! (risos) Mas foi uma delícia de divertido!

Bom, mas depois que achamos a nossa pousada e estacionamos o carro na garagem, minha vida mudou. Aquele automóvel só saiu de lá na hora de ir embora, uma semana depois. Nunca fui tão feliz em andar, andar, andar. As subidas e descidas de ladeiras à pé me pareciam o paraíso. E foram mesmo.

A história já começava na nossa pousada. Ficamos no Pouso do Chico Rei. Um casarão do século XVIII, com móveis da época, vizinho de muro da Casa da Ópera, o atual Teatro Municipal de Ouro Preto - se não me engano o teatro mais antigo da América Latina, coisa mais linda! No nosso pouso, os quartos têm nome de gente. Gente bacana que costumava se hospedar lá. Ficamos no quarto Jorge Amado, ao lado do Elisabeth Bishop. O pouso era de uma tal de Dona Lili, uma dinamarquesa, acho, que morreu velhinha há uns anos. Ao que tudo indica - e segundo a moça que trabalhava lá durante a noite - "ela era meio sapatona"! Devia ser mesmo. Tem um armário pintado com os nomes Lili e Nininha, uma foto das duas senhorinhas abraçadas que não mente e suspeitas pela cidade. Além disso, conta-se que a Dona Lili não sabia sobre a Isabel, aquela que libertou os escravos, e continuou até morrer tratando os empregados a chicote. Vai saber! Mas o pouso, para nós, foi ótimo.

Conhecemos na primeira noite, hospedada também no Chico Rei, uma dinamarquesa elegantérrima, a Maria, que mora há anos no Brasil, fala português perfeito, é música, violonista, compositora, e conhece os importantões da mpb carioca. Maria ficou nossa amigona em minutos, seguidos de uma longa conversa literária - em que a Tati deu uma aula maravilhosa pra ela - e uma noite de despedida regada a cachaça Lúcia Veríssimo no Bar do Beco. Hahaha. Ela estava acompanhada de um casal fofíssimo de dinamarqueses. Foi uma sorte conhecê-los de cara. Nos abriu bons ares no lugar. O marido da Maria cuida no Rio do intercâmbio Brasil-Dinamarca. Enquanto nós exploramos Ouro Preto.

Igrejas, igrejas, igrejas. Uma mais linda do que a outra. Tanta história que dava pra encher a sala de visita... Aleijadinho, São Francisco, escravos, senhores, Marília de Dirceu, Inconfidentes, janelas, portas, cafés e enormes caminhadas nos longos dias de sol. Fui bem feliz naquele lugar.

PRETOS
Na igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos tive um momento especial de devoção. Eu tenho uma mãe preta, e ali me senti em total comunhão com ela. Era como se eu estivesse visitando os seus ancestrais, o seu povo. Rezei pela minha Betinha, que me criou, que me cuida até hoje e me ama incondicionalmente. Que arruma as minhas bagunças e me mantém limpa, por dentro e por fora. Rezei pela saúde da minha neguinha, que começa a perder a visão e a sentir o peso da idade nos pezinhos fracos. A minha preta dedicou a vida à nossa família, a família dela. E ali, naquela igreja de Ouro Preto, eu senti que em algum momento, de alguma forma, eu nasci de dentro dela e tinha aquele sangue preto e forte correndo nas minhas veias. Na igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos eu tive um momento de milagre, um espírito santo em triângulo comigo e com a minha neguinha, minha mãe preta e amada.

E ainda com aquela sensação abençoada, entrei num bistrô que vimos ali: Janela do Rosário. Acho que foi onde comi a melhor comida da viagem inteira. E fomos de novo, de tão bom. A salada com presunto cru estava divina, o kibe, delicioso, e o salmão com gergelim, extraordinário. Se você for a Ouro Preto, não deixe de comer lá.

Mas os pretos escravos não foram os únicos a nos acompanhar. Outro preto caminhou com a gente os dias inteiros. E dá-lhe café! Acho que meu orgnanismo criou um compartimento à parte para o café. Muito café. Como não dava pra comer em tudo quanto era lugarzinho charmoso, a gente ia tomar café, cada hora em um. O máximo. Muito café bom, muita música boa, muita gentileza. Acertamos em tudo. Bene da Flauta, Chafariz, Restaurante da Ópera, ai, nem lembro de todos. Mas vale a pena entrar onde quer que tenha uma fachada bonitinha. É tudo bom e gostoso.

ESTUDANTES AOS MONTES

E para não dizer que não falei das Repúblicas, fiz uma pequena coleção de placas de Repúblicas com os nomes mais curiosos que achei. É. Você sabia que a cidade de Ouro Preto é um reduto de estudantes? Eu só soube quando cheguei lá - porque a minha professora me contou. E parece que é isso que sustenta a cidade fora de temporadas - ferve de estudantes nos botecos da Rua Direita. E a Escola de Minas mantém essas várias repúblicas espalhadas pelas ladeiras. Um nome mais engraçado do que o outro. A gente fica imaginando que tipo de gente mora dentro, por exemplo, da República Pulgatório, ou da Feminina 171, da Muvuca, da Masmorra, da Maternidade, do Jardim Zoológico e até do Hospício. Será que essa gente estuda??


MARIA FUMAÇA
E então fomos até Mariana, cidadezinha vizinha, de Maria Fumaça. Lembranças e saudades à parte, o passeio valeu pelo concerto de órgão a que assistimos na matriz - um órgão português gigantesco, do século XVIII, e pelo Café da estação - sim, mais café. Ali na estação de Mariana há um vagão que serve de restaurante, o Vagão Café, decorado como os vagões de antigamente, com uma vitrola e discos de vinil incríveis. Quando entramos, tocava Ella Fitzgerald. Cadeiras e mesinhas vermelhas, uma chuva melancólica lá fora, aquele blues/jazz, e um café delicioso numa chícara adequadamente modernosa. Foi um evento nosso instante no Café da estação de Mariana. Eu poderia passar horas ali, lendo qualquer coisa, jogando conversa fora e tomando o meu pretinho. Imperdível. E a gente teve uma sorte egoísta de ter o lugar só pra nós. (Registre-se a passagem the flash de um cara saído de um filme do David Lynch - indescritível.)

E depois fomos à Mina de Ouro. Outra experiência bacana. Principalmente pelo "lago" que há lá dentro. 200 metros abaixo da terra. A água é azul, por causa do minério, e absolutamente transparente, num forro de pedras. Bem bonito de ver. Inútil, mas lindamente inútil.

E, em Mariana, pela falta de uma, duas igrejas dividem o mesmo espaço. Ou quase. É bem curioso. Uma igreja em frente à outra. O inusitado de uma "guerra religiosa". Porque, segundo a Tati, aquilo é resultado de uma competição. Quem construiria a igreja mais bonita? Já não me lembro entre quem era a disputa. E também não sei quem ganhou. Ganhei eu, que fui lá e vi.

Acho que há muito ainda para dizer de Ouro Preto.
Mas se eu não lembrar para escrever, lembrarei pela vida.
E quando eu voltar pra lá.



2 comentários:

tati fadel disse...

Ordem Franciscana X Ordem do Carmo. A da esquerda na foto é a dos franciscanos. A mais bonita, de fato.

Anônimo disse...

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