domingo, 31 de agosto de 2008

OS JAPONESES E EU

Eu não sei exatamente de onde isso vem, já disse, mas meu envolvimento com os japoneses é de alguma natureza profunda.

Talvez por que meu pai tenha trabalhado junto com alguns deles desde que nasci eu tenha criado essa afeição pelos olhinhos puxados.

Não sei mesmo. Mas é fato. E sou muito grata por isso. Porque se aprende um bocado com eles.

A CLASSE
Há muitos japoneses em Firenze. Visitando e estudando. Neste mês, metade da minha classe é nipo. Na sexta-feira passada nossa prof pediu para fazermos uma apresentação sobre o nosso país. Eu estava sozinha. Uma colombiana também. Depois, dois venezuelanos, dois croatas e os seis japas. Eles são fofos, educados, organizados e concisos. Ultra concisos. Uma aula pra mim, que falei um monte de coisa e não disse nada - e não foi porque o Brasil é gigante só, foi também porque não tenho o senso de organização oriental. E já piorei, convivendo com o caos italiano.

É verdade que ninguém sabia direito o nome do imperador do Japão - que afinal não impera nada - mas falaram do primeiro ministro, dos apartamentos minúsculos, do custo de vida alto, das famílias reduzidas e das enormes diferenças entre Tóquio e Quioto. Em Quioto, por exemplo, o maior problema da cidade não é o trânsito, a poluição ou a violência. Não. O maior problema é que não tem estacionamento suficiente para as bicicletas. Ai, Jesus. E as mulheres de Quioto são as mais frescas e peruas do Japão. Pelo que entendi, ninguém gosta delas, além dos maridos quiotenses - se é que gostam, né, porque japonês com amor é difícil (mas eles dizem que nos ûltimos anos isso vem mudando e até já se diz eu te amo - aish tê más!).

Esses japoneses da minha classe, além de serem algumas das pessoas mais gentis e sorridentes que já conheci, são muito especiais: Ken é regente de orquestra. Yuya é artista e faz animais em miniatura decorados com ilustrações minúsculas, é lindíssimo. Mina é estilista. E a minha ônedjá (irmã mais velha em japonês) Shinobu é bartender e somelier. O Haruki, que foi embora, era designer de bolsas. E a Haruka não sei o que faz, mas não deve ser nada muito comum. O que eles têm em comum é, definitivamente, a delicadeza. E o dicionário eletrônico. Todos, todos, todos os japoneses que estudam aqui têm um mini computador dicionário. É incrível. Traduz pra inglês, italiano e mais algumas línguas. E ainda tem enciclopédia e mais uma dezena de funções. TODOS têm. Só muda a cor da capinha. Os meus japoneses são melhores do que os outros.

O PIC NIC
Tá certo que eu não fiz muitos pic nics na vida, mas, entre os que fiz, este foi de longe o mais legal, o mais animado, divertido e indimenticable.
















Fui com os japas queridos no sábado. É um parque lindo que tem aqui, a 30 minutos de Firenze. A cidade se chama Pratolino. O parque tem um nome difícil que me lembra o meu perfume Davidoff. Eram 11 japoneses, um coreano e eu. Não me deixaram levar nada, e fizeram um banquete!

Shiauassê! (tô feliz!)

Talvez este pic nic não tenha sido diferente de qualquer outro. Mesmo assim, foi diferente e especial. Porque eles são especiais demais. Sempre gentis, educados, companheiros e particulares.

Itadakimás!!
A quantidade e a variedade de comida era inacreditável! Os japas sabem fazer pic nic!! Coisas preparadas, coisas compradas, receitas inventadas pra gente provar, tudo. Nem sei direito o que eu comi, mas era tudo bom.

E, fora a comida, pic nic de olho puxado é uma diversão. Eles adoram jogar volei. Eu também não sabia. Mas eles adoram. O mais divertido são os gritinhos – em japonês – durante o jogo: ôôôô, no-no-no-no, hhhaaaiii!!, ú-ú-ú, gambááátê!! Eu me jogava no chão - não pra pegar a bola, mas de rir!

Além do volei, teve o momento "jogo de desenhar" - que tem um nome em japonês, mas esqueci. Neste lugar onde fomos há uma estátua gigante, gigantesca, de um homem muito barbudo, velho, sentado de um jeito meio misterioso, olhando pra baixo, talvez pegando alguma coisa, não se sabe. Não se sabe ao certo quem ele é nem o que está fazendo. Tem gente que diz que á representação de Deus olhando com uma certa tristeza o que fizemos com o planeta… Mas pode ser o que você quiser. Bom, mas aí a brincadeira era cada um desenhar a sua versão do velhinho. E todos vêm, e participam. Meu desenho ficou um horror, mas foi engraçado.

















KampaiTintim
E então a Shinobu anuncia que é hora da “bíla”. Ela quer dizer birra, cerveja. Será aberta a sessão da bebedeira. Santo Deus, os japoneses bebem muito!! Foram comprar bila no restaurantezinho. Depois teve champagne, vinho tinto e, pra finalizar, limoncelo. Pra finalizar nada! Eu que pensei errado! Porque depois eles ainda foram para um Irish Pub e passaram a noite lá bebendo mais. É impressionante como eles bebem. E a energia não sei de onde vem.


Mensagem na garrafa
Mas o mais legal do pic nic foi a mensagem na garrafa. Parece que é uma tradição japonesa de pic nics. Todo mundo escreve numa folha alguma coisa para ser lida daqui a cinco anos. E então a gente põe a folha numa garrafa e enterra lá num lugar marcado – pra ser desenterrada por nós mesmos daqui a cinco anos. Não é brincadeira. Eles levam super a sério e foi demais fazer parte disso. Todos pensaram bastante no que escrever e escreveram com o maior cuidado. Inclusive eu. Alguns escreveram em japonês, outros em italiano. E, no final, eles foram lembrando dos amigos que não estavam no pic nic e foram pondo todo mundo no papel: Haruki dove?? Taka dove?? Yuki dove?? Depois colocamos a mensagem na garrafa, achamos o lugar para enterrá-la (dentro da árvore) e cada um jogou um pouco de terra pra tapar o buraco. Parecia filme. E entre os japas não tem nenhum chato que não participa – como normalmente entre nós, ocidentais bobos, acontece. Sempre têm aquele que acha a coisa sem graça e fica de ladinho… Acho que sou japonesa. Ou fui.











O bar e os beijos

Depois de tudo isso - do meio-dia às nove da noite no pic nic - pegamos o ônibus de volta, meia hora, chegamos. E você pensa que eles deram ciao e foram para suas casinhas? Não, não, não, Irish Pub? Irish Pub si-si-si. Eu fui junto porque era muito pertinho, mas estava morta. Chegando lá, sem cerimônia, cada um pediu um balde de bila ou de umas bebidas diferentes que eu nem conheço, e só estavam começando.

Não, eu não podia acompanhar. Me levantei pra ir embora e, como sempre, fui dar beijinhos em todos. É sempre um parto, mas eu esqueço. Dar beijinho num homem japonês é tão difícil quanto entender o que ele fala. E então eles me explicaram uma coisa muito bonita: a gente não sai beijando todo mundo porque não queremos perder o que isso significa pra nós. Quando você dá beijos em alguém porque a pessoa vai partir ou porque conquistou alguma coisa, é muito, muito, MUITO especial. Se a gente beijar sempre, não será mais. É verdade. E então eu só beijei a Eri, que vai embora. E deve ser muitíssimo especial mesmo porque enquanto eu dava os beijinhos nela, ela começou a chorar feito criança. Aí eu não quis nem saber das tradições e dei um abraço de urso na japinha fofa! Dá pra ver nos olhos como eles são obrigados a guardar tudo dentro de si. Como os beijos.

TEMAKI EXPRESS
E então, no domingo, a saga oriental continuou. Shinobu me levou pra comer Temaki na casa de uma coreana. Mas a gente que fazia o temaki, diversão de novo. Pena que no fim a coreana me fez experimentar uma coisa da cozinha típica dela que quase me matou. Era tipo acelga ou coisa que o valha com uma pimenta que deixa a malagueta no chinelinho. Arigatô, amicá. Acabou com o gostinho de camarão com cream cheese que estava me fazendo tão feliz. (rima sem querer)

Depois do Temaki, como não podia deixar de ser, Shinobu foi encontrar os mesmos japas do pic nic pra beber. Juro. Juro. Juro. Eles bebem TODOS os dias. Eu fui junto porque só vendo pra crer. E era verdade. Estavam todos lá no bar. Drinks, prosecco, vinho. E aí? Vamos pra outro bar? Ah, vão vocês. Sayonará. Má tá né!

(Na segunda-feira, chegam todos de ressaca na aula. E na terça também, e na quarta. Quando conseguem acordar... Juro. Os japoneses em Firenze são assim.)

sábado, 30 de agosto de 2008

REPARANDO BEM...

Então nem sempre eu reparo mais nas coisas, mas, de vez em quando, sim. E hoje reparei que tem um barbudo (é o Hércules!) aqui nas estátuas da Piazza della Signoria que é A-CARA do meu pai. Não é?

domingo, 24 de agosto de 2008

A GENTE SE ACOSTUMA

Todo mundo já deve ter lido aquele texto "Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.". Eu já li mil vezes. E eu sei que eu não devia, mas me acostumei com a grandiosidade de Firenze.

Na primeira vez em que passei por aqui, com a minha mãe, fiquei deslumbrada com as esculturas na Piazza della Signoria, com o Duomo gigantesco, maravilhoso, inacreditável, com as obras de arte a céu aberto espalhadas por cada rua, cada esquina, cada janela, cada parede. Eu andava devagar, olhando tudo devagar. Sempre que passava em frente a alguma dessas obrar imensas, parava pra contemplar aquelas visões. E ficava indignada como tantas pessoas podiam, principalmente à noite, simplesmente se sentar ali pra bater papo e tomar um vinho na escadaria daquela igreja que demorou mais de 200 anos pra ser construída, ou em bares ao redor de todos os monumentos que me enlouqueciam de deslumbre. Eu disse - e acho que até escrevi - que não era possível viver ali como se aquilo, daquele tamanho, nem existisse...

Pois agora lá estou eu, dias e dias, sentada na escadaria do Duomo, conversando em frente à Santa Croce, passando de bici aos pés das estátuas imensas da praça... como se nada estivesse acontecendo. Tudo aquilo está lá e eu me acostumei. Às vezes passo e nem noto. Passo lá tantas vezes que nem sempre dá tempo de olhar. E a vida é assim mesmo.

A gente se acostuma com tudo.
Para poupar a vida?
Será que não devia?
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segunda-feira, 18 de agosto de 2008

VENEZA, CROÁCIA, TRENS E CRACÓVIAS... ou OI??.NÃO ERA AQUI?

Tudo começou com uma sugestão inofensiva: vamos pra Veneza amanhã!!?

FOTOS DE VENEZA


A autora do convite: Aline. Paulista, fanática pelo SPFC, querida, estudando em Firenze e em viagem sem data de volta. Ela e a Luíza, outra brasileira que estuda aqui - nutricionista e futura dona de restaurante em SP -, foram responsáveis por tudo que seguiu a tal da sugestão inofensiva: um fim de semana inesperado e divertidíssimo. Oi? Não era aqui?

(É preciso registrar que elas são obcecadas por validar os bilhetes de trem - inclusive nos lugares onde não precisa e onde ninguém sabe o que vem a ser isso, como na Croácia. Mas essa história eu conto depois.)

Era véspera de Ferragosto, dia 15.08, sexta-feira, o feriado mais importante da Itália (sabe-Deus-por-quê). Eu pensava seriamente em ir a Roma encontrar o Ferdinand, que terminaria exatamente no dia 15 a peregrinação pela Toscana. Mas eu estava com muita preguiça, confesso, de voltar para aquela cidade abarrotada de turistas e com chuva.

Aí, por acaso, cruzei com a Aline na escada da escola e ela me disse que ia passar o dia, sexta-ferragosto, em Veneza. Hm. Eu havia relutado todo esse tempo para não ir sozinha pra cidade com fama de ser a mais romântica do mundo. Definitivamente eu não queria ir sozinha. Mas, então, cá estava eu em Firenze, na noite de uma quinta-feira estranha, sabendo que os próximos dias na cidade seriam vazios, tristes e solitários porque todo mundo viaja nesse feriado... Então, va bene, achei por bem mudar de idéia: andiamo a Venezia!


OI? NÃO ERA AQUI?

O trem saía às 7h. Perdemos. Porque não saía da estação principal, onde a gente estava. Sim, lembre-se disso ao viajar de trem pela Europa: mesmo se você pensar que o trem sai dali, do lugar onde você comprou o bilhete, porque ninguém te disse nada diferente disso, pergunte, e pergunte de novo, e pergunte mais uma vez pra confirmar. Ainda mais se for na Itália. Porque aqui ninguém te informa nada e, se informa, MUITAS vezes a informação está errada.

Bom, pegamos o próximo trem, uma hora depois, e a viagem já começou, digamos, divertida - e cheeeeia de emoção.

Os lugares da gente não eram exatamente juntos. Aproveitamos que algumas das nossas poltronas estavam ocupadas e fomos sentar juntas em outro canto. Obviamente as pessoas foram chegando e foi dando confusão, já que uns estavam nos lugares dos outros. Não só nós. Em todo o trem tinha gente trocada. Mas o povo ia se virando. Sem stress.

Até que uma americana histérica, ruiva, feia, chata e mal-amada, veio nos tirar do lugar dela e do marido cafona. Explicamos que a gente não queria fazer uma família com crianças se mudar do nosso lugar... se ela não podia, por favor, fazer a gentileza de procurar outras cadeiras vazias. Mas ela disse NÃO e perguntou, bem grossa, por que a gente não tirava quem estava in our places. Respondemos com o resumo do que os americanos definitivamente não são: BECAUSE WE ARE NICE. (e porque queríamos sentar juntas, oras!! o resto era lábia de brasileiro, sejamos honestas. mas a nega era chata!)

Saímos do lugar dela falando um monte de bobagem em inglês, pra ela entender o quanto estava sendo not nice. E aí, eu te pergunto: tinha lugar pra gente sentar? Claro que não. Andamos o trem inteiro sorrindo, rindo, falando, e fomos a atração da população européia e sem graça que ocupava todas as poltronas do Eurostar-Firenze-Venezia. Aliás, fomos a atração por onde passamos nas próximas 72 horas. Ser brasileira é realmente particular e diferente de tudo. Somos incrríveis!

Well, sem lugar, andamos pro restaurante, achando que lá a gente podia sentar e papear tranquilamente. Ai, ai, ai. Chegamos no vagão e não tinha onde sentar, só havia balcõezinhos para comer de pé. Ali, rindo de nós mesmas, a Luíza soltou o que veio a ser o bordão do nosso fim de semana veneziano-croata-cracovêz:
Oi?? Não era aqui??

Porque, depois de tudo, pensamos, afinal, por que a gente não se fez de besta com a americana? Todo mundo faz isso. Faz coisa errada e aí usa a desculpa de que não entende nada, fica falando a própria língua, dá de ombros, faz aquela cara de "oi?? não era aqui? hãn?? ah, no no, no falo italiano, no inglese, só portuguese. POR-TU-GUÊS". Oi?? Oi? E, nisso, a outra pessoa acaba desistindo e vai embora...

Dúzias de risadas depois, descobri que o restaurante tinha, sim, mesinhas e cadeiras, no próximo vagão. Vêm, meninas, vamos sentar ali!! Mas veio também o mocinho gorducho-garçon, pra variar com má notícia: ragazze, com mala aqui não pode. Oi? Não era aqui? A gente pensou, mas não disse. Ah, mas, moço, aconteceu isso, isso e isso. Tá bom, ragazze, então vão ali pra primeira classe e qualquer coisa eu explico pro carabinieri. Ciao, americana bobona... fica aí na sua cadeirinha. Primeira classe, vazia: quem disse que europeu é rico e chique? Enfim, ficamos lá mesmo e não aconteceu nada.

A Laura-Pausini-bilheteira passou por nós duas vezes, olhou com o típico olhar rude-grosso dos italianos, e foi embora, acho que cantando "Marco se n'è andato e non ritorna più...".

Finalmente: Veneza.


TÁ BOM, VAMOS PRA CROÁCIA!
Fomos direto pra fila dos bilhetes porque as meninas iam pra Croácia no fim do dia, passar o fim de semana, e já queriam comprar a passagem. A viagem era durante a noite toda. E eu ia comprar meu bilhete de volta pra Firenze. Quê? Adivinha o que elas me convenceram a fazer... sim, também comprei passagem pra Croácia. Se eu estava preparada? Não exatamente. Mas quem liga?

Veneza é bonita, especial e... lotada! Pelo menos em agosto, ma dai! Enquanto não choveu, conseguimos passear e olhar as coisas lindas que vão surgindo enquanto se caminha. É interessante como os lugares e as belezas surgem de repente, ao virar uma esquina ou ao sair de uma ruela ou de um beco. É tudo bem lindo. Mas não achei a cidade mais romântica do mundo. Essa eu ainda vou descobrir um dia. Não é Veneza. Pelo menos não é mais, caso tenha sido. Tem troppo gente pra ser uma cidade romântica. E o preço do passeio da gôndola limita o romantismo aos ricos.

TUDO é muito caro. Comprei só máscaras, e olhe lá! Mas tive vontade de comprar todas, todas, todas as máscaras de todas as lojas de Veneza. E pronto, dei por visto.


IO, MIO MARITO E DUE CANI
Onze e meia da noite e lá vão as três patetas pro trem com destino à Croácia. Precisa validar! Precisa validar! A Aline depois de uma taça de vinho fica realmente engraçada e obcecada por validar o bilhete do trem. Pois é, não basta comprar, precisa validar. Se você não valida, paga 5o euros de multa. E é nesse momento que entra também o "oi?? não era aqui??". Mas a gente validou, obviamente, enquanto a são-paulina gritava. E ria.

Entramos no trem e eu... sim, sou fresca. Se ser fresca é não querer viajar sete horas no último vagão, horroroso, absurdamente quente e sujo, diferente de todos os outros, numa cabine terrível, pra seis, onde se a poltrona vira cama não tem espaço mais pra se sentar, só se pode ficar deitada... sou fresca. Juro, o ó. Lá vou eu saber como se faz pra pagar 6 euros a mais e mudar pra cabininha um pouco melhor. Em vez de poltronas-sofás, camas. Só três por cabine, com porta fechada e ar condicionado. Quê? Lotado? Lotado? Lotado? Tudo lotado? Senhor Jesus Cristo, vamos lá pro porão e seja o que Deus quiser...

(no fundo, eu estava me divertindo. queria mudar de lugar, é verdade, mas não fiquei nem um pouco mal-humorada quando vi que não dava mesmo pra mudar, como ficaria tempos atrás. eu estava ótima. foi tudo bem, no fim das contas.)

Pensamos que íamos sozinhas na cabineta... Tá. Na primeira estação entraram duas mochileiras holandesas pra dormir na nossa suíte presidencial. Mandamos elas direto pros sofazinhos de cima. Coitadas, não podiam nem ficar meio levantadinhas que a cabeça entortava de bater no teto. Eram fofas. Elena e Elen, haha, 21 anos, mochilando do Marrocos até a Croácia, passando pelas capitais da Espanha, da França, da Itália e mais alguns lugares. 21 anos, veja só. As duas tinham diários e o cabelo imundo. É assim, né. Quem liga?

Aline e eu estávamos bem engraçadas e ficamos divertindo a cabine por alguns minutos, até ela capotar e dormir. Aliás, tô pra conhecer alguém que dorme com tanta facilidade. Você pisca e a nega dormiu. A Luíza, embora jurasse que tinha perdido o sono e que me faria companhia, também dormiu depois de oito minutos. Eu fiquei arrumando o cubículo, consertando as cortinihas pra tentar deixar o lugar um pouquinho mais escuro, e controlando a abertura da janela porque quando o trem andava, a janela escancarada deixava entrar um vento danado e fazia um barulho do cão. Quando o trem parava - muitas vezes! - o que era do cão era o calor. Então eu tive que abrir e fechar a madrugada toda.

Por falar em cão, não podia faltar uma bizarrice nesse trem. Lá pras duas da manhã, quando eu conseguia finalmente cochilar, depois de fazer toda a organização da suíte, mochilas e afins, alguém abre a nossa portinha de vidro, me cutuca, me desperta e me diz: "ciao, io e mio marito siamo qui in questa cabina e noi abbiamo due cani... va bene se os canes entrarem agora e deitarem aqui no chão??"!!

O QUÊ???? Dois cachorros?? Acho que eu tô sonhando. Não, não tô. Mas, moça, você não está entendendo... Olha o tamanho disso aqui! Nem tem lugar no chão porque ele está coberto com nossas mochilas, sapatos e coisas. Como vai meter dois cães aqui?? E ainda por cima, cane fede... nesse calor, imagina! Ah, e tem mais um detalhezinho: estamos aqui em CINCO! Tem só UM sofazinho sobrando... (abarrotado de coisas em cima dele). Como mesmo você e seu marido imaginam ocupar esse micro-sofá juntos????

Não, aquilo de-fi-ni-ti-va-men-te era um engano. E era. A mocinha estava na carroça errada. Isso mesmo: carroça. É vagão em italiano. E principalmente o lugar onde estávamos era, sem sombra de dúvida, uma carroça.

E então, a moça - com dentes faltando e alguns remanescentes terríveis - foi-se embora com seu marido e seus cães, e eu só sei que ela viajou em alguma outra cabine porque a vi num bar croata no dia seguinte. E esta placa num jardim de Zagreb é pra ela.


YÚLHÁNA - BRADZILHÁNA
O episódio dos canes foi surreal. Mas tentei esquecer e voltar pro meu delicioso cochilo no vagão-favela da carroça.

O soninho merecido durou menos de uma hora. Porque aí chegamos na Slovênia e lá vieram os policias para checar passaportes e caras amassadas de gente que dormia. Os policiais slovenos pareciam da máfia. Eu me senti uma bandida. Principalmente quando o poderoso chefão passou horas com meu passaporte na mão falando meu nome por um microfoninho. Yúlhána... Yúlhána... Bradzilhána. E ele só fez isso comigo. O que eu fiz? A idade? Acho que não. O sobrenome árabe, provavelmente. Só pode ser. Porque na volta aconteceu a mesma coisa. E só comigo de novo. Os passaportes das meninas, eles olhavam, carimbavam e ciao.

E a coisa se repetiu por três ou quatro vezes. O trem parava, entrava a tropa de choque, acordavam a gente sem dó, pediam os passaportes, faziam cara feia e saíam pisando firme. Até chegarmos em Zagreb, na Croácia, lá pras seis da matina - com duas horas de atraso, de tanto que o trem parou no caminho. E fazia frio, muito frio. Quem tinha blusa, meia, cachecol? Você tinha? Nós não.

Ah, e quem tinha Kunas? O dinheiro da Croácia... Você tinha? A gente também não. Faz o quê? Senta ali e espera a casa de câmbio abrir. Abre logo (duas horas de espera). Às 8h. Olha, eu sentei, e dormi. Ali mesmo, na cadeira croata, da estação croata de Zagreb, naquela manhã fria croata, com os pés brasileiros gelados e enrolados em toalhinhas de limpar a mão em restaurante japonês. Sabe? Essas. Farofa total.


CRACÓVIAS E CRACOVENCES

Trocamos Euros por Kunas - dinheiros que a Luíza e nós chamamos de Cracóvias. Sim, porque a gente conseguia lembrar da palavra Cracóvia, mas não lembrava Kuna de jeito nenhum! E o lugar também chamávamos de Cracóvia porque Croácia às vezes não vinha na cabeça. Então Cracóvias est. E cada Cracóvia gasta valia uns minutos de risada. Olha, nenhum dinheiro do mundo paga o tanto que rimos nesses dois dias.

O albergue era pertinho e bacana, mas a gente só podia entrar depois das 11h. Andamos quase felizes com a mochila nas costas e eu descobri a cidade mais silenciosa que já conheci na vida! SILENZIO. Tá certo que era cedo e que a maioria da cidade está no mar porque é feriado. Mas assim foi a cidade que conheci. Nem o Tram (bonde) faz barulho. Passa pelas ruas como quem pisa em ovos...

Mas as pessoas da Cracóvia, digo, da Croácia, é que são o grande negócio do lugar. Que gente gentil, meu Deus! Que gente gentil! Nem sempre falam inglês direito. Muitos falam italiano, pelo menos um pouco. Todos com quem cruzamos foram incrivelmente simpáticos.

E Zagreb, a capital croata, também é uma simpatia. Uma cidade cheia de surpresinhas, com construções novas, mas que conservam alguma arquitetura antiga e original, e detalhes, e desenhos, e palácios, janelas, cores. Parece um pouquinho com Budapeste, talvez. Tem qualquer momento de Praga ou de Viena. Mas está longe de ser um deslumbre. Pelo menos pra mim.

Tivemos a sorte de ter uma amiga croata passeando com a gente, a Natalja - o J se diz I. Fomos aos lugares importantes, a uma feira de antiguidades onde o mocinho que vendia livros me deu um novo testamento em croata (?), comemos comida típica, comemos bem, e muito, e fomos até a um jogo de futebol com a são paulina roxa gritando DYNAMO!.

Foi bem divertida a Croácia. Principalmente quando ficávamos fazendo comentários sobre todas as pessoas bizarras que passavam. Tem muita gente sobre quem dá gosto de falar. Além de muitos bonitões e gente estilosa, tinha uma mulherada de chorar, uns carecas tristes, uma gente da terceira idade embora fofa, santo Deus, vestidas para ir à Lua ou a alguma festa junina. E tinha a Madonna na época do primeiro vídeo-clip, o bozo de óculos e cabelos lisos, e um moço com uma calça verde tão justa que a gente quase foi perguntar se ele estava bem. Enfim, Doverdãn! (bom dia em croata) e bók bók (ciao)!


TREM-FANTASMA
E quem disse que a volta seria tranquila?
Sentada eu já sabia que seria, mas... vai vendo.

Vou resumir porque já escrevi demais. Foi mais ou menos assim: o trem vinha de Bucarest e Budapeste, estava absolutamente abarrotado de gente. Tinha gente de pé, no fundos dos vagões, nos corredores... Era qualquer coisa! Alguns estavam de pé porque foram viajar com passe e não fizeram reserva, portanto com trem cheio ficam sem lugar. Outros simplesmente porque foram expulsos das suas cabines por romenos e albaneses - as raças mais detestadas na Itália.

Nossas poltronas estavam lá. Ocupadas, mas as pessoas se levantaram pra gente sentar. A sensação é horrível. De fazer alguém levantar pra você sentar. Ainda mais porque aquela pessoa já vinha viajando naquele horror havia pelo menos cinco horas e tinha mais sete pela frente. Ah, e omelhor de tudo: estávamos no vagão onde as pessoas podiam ir ali no corredor bem do nosso lado e fumar!!! Não é inacreditável?? São só cerca de 20 lugares do lado de onde se pode fumar e NOSSAS POLTRONAS ERAM EXATAMENTE ALI.

Sim, eu pensei que estava na pegadinha do Faustão. Mas, não.

No caminho, aconteceu de tudo: mil paradas sem explicação, policiais revistando pessoas, o teto do trem, o chão, sei-lá-mais-o-quê, gente fumando escondido quando não podia, crianças pedidas, pessoas estranhíssimas e fedidíssimas... tudo! As meninas dormiram, óbvio, e um ragazzo italiano que sentou na minha frente não parou de falar um minuto. Metade eu entendia, metade não. Ele viajava com dois primos - são eles os que foram retirados da cabine e jogados ali no vagão fumante, sem lugar e sem explicação. E ainda trancaram o vagão onde eles deveriam viajar. Não tinha o que fazer. Ninguém ajudava. Eles estavam absolutamente irritados. E era aniversário do menino, coitado. Por isso que eu não soube dizer pra ele parar de falar e me deixar tentar dormir. Fiquei ouvindo. Era o mínimo que eu podia fazer. Afinal, ele pagou o dobro e estava naquele lugar horroroso. Imagina a raiva. Eu estaria louca. E ele tinha acabado de se sentar ali porque vagou a cadeira. Antes, vinha de pé de Budapeste até a Croácia. Ninguém merece. (Nem ele, que falou na minha cabeça a madrugada inteira!)

Chegando na Itália, eles fizeram um escândalo. Certo. Veio a polícia italiana, deu um jeito de abrir o vagão trancado e foi lá ver o que estava acontecendo. Voltou dizendo que o povo que estava na cabine deles tinha bilhetes, mas parecia estranho. Fariam a checagem completa em Veneza. Mas o melhor foi que esses albaneses, romenos, seja o que for, se faziam de idiotas com os policiais e diziam que não estavam entendendo... quer dizer: "oi, não era aqui?"!!

Em resumo, não preguei o olho a noite inteira: passei sete horas ouvindo frases em italiano que só entendia pela metade... sobre o Festival de música de Budapeste, sobre filmes italianos, sobre Berlusconi e sobre as Olimpíadas na China. E o moço ainda falava em dialeto de Veneza! Eu não merecia.

Enfim, tudo tudo tudo pode acontecer nos trens da Europa. Principalmente entre esses países meio "novos" na comunidade. Também acabou a luz no meio do viagem. A máfia entrou revistando olhando feio. Meu nome, como eu já disse, foi repetido dúzias de vezes no foninho da Swat. E um casal de portugueses que viajava sem lugar contou que um outro trem que pegaram se soltou da locomotiva... É, assim mesmo. O primeiro vagão, o que puxa, soltou eles no meio do nada. Não se sabe como. E eles ficaram ali, largados no nada por horas. Até que chegou outro, pegou eles e pronto. Ficou por isso mesmo. Ninguém explicou nada. Niente.

A Cróacia foi o recheio de um sanduíche com pão estranho...
Mas é interessante ter história pra contar. (Medo.)

FOTOS DE ZAGREB - CROÁCIA

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segunda-feira, 11 de agosto de 2008

SAUDADE QUE MATA

Neve congelante e calor escaldante são duas coisas tão opostas que, por um momento, me sinto a pessoa mais distante do mundo das pessoas que mais amo no mundo. Porque eu estou aqui sozinha no maior calor que já senti na vida e recebo uma foto dos meus irmãos e meus sobrinhos, todos juntos, encapotados na neve. É veramente uma saudade que mata. Não sei se de frio ou de calor. Mas mata.

Não sei também se a diferença entre nós é grande e oposta como neve e sol. Mas uma coisa eu sei: não importa. Porque uma certeza todos nós temos. Assim como é certo que a neve no Chile gela e o sol na Itália escalda, a gente sabe que na hora da tempestade, da seca, da tormenta, da nevasca, do furacão, do terremoto, de qualquer clima ruim, a gente sabe que um vai estar perto do outro. Seja onde for, quando for, como for. Seja o que for. Estaremos juntos. (né?)

A distância não importa. Afora a saudade que mata.

(Afora as diferenças. Porque o céu... é o mesmo.)















sábado, 9 de agosto de 2008

NINGUÉM TÁ NEM AÍ

Firenze é caótica. Acho que a Itália toda é. É tudo bagunçado, meio sujo, meio avacalhado, meio de qualquer jeito. Juro. Ninguém tá nem aí com nada. Eles só querem tirar férias e andar al mare. Um calor desgraçado, uma suadeira, ninguém tem ar condicionado, quase nenhum restaurante tem gelo pra te pôr no copo, e só às vezes tem ventilador. Mas os italianos não tão nem aí.

No começo eu não podia acreditar e não entrava de jeito nenhum nessa onda de zona total. Ficava fazendo tudo certinho. Tomava cuidado, enxugava o suor do rosto, tudo eu perguntava se podia, dava passagem pras pessoas na calçada apertada e mais um monte de coisas que agora não lembro. Mas eu era certinha, principalmente, dirigindo a minha bici: contra-mão jamais! Imediatamente pro meio-fio se vinha carro. Mil vezes com licença e obrigada no meio dos pedestres. Conduzia com calma, classe, sorrisos e direção segura. Quê? Eu vivia levando grito na cara, xingamento, vai! vai! - até empurrão levei. Basta! Hoje em dia entrei no caos e sou feliz.

Vou de bici a milhão, entro em qualquer rua, vivo na contra-mão, vou tocando - ainda delicadamente - a buzina/campainha (do século passado) enquanto passo no meio dos pedonalles, grito SCUZI! se tem alguém na frente, nem ligo se tem carro atrás querendo passar... E ELES NÃO ESTÃO NEM AÍ! Juro. Ninguém nem me nota desde que eu entrei na bagunça e virei parte dela. Ninguém está nem aí. NEM EU!! É vero que quase morro atropelada todos os dias... mas é só impressão. E nem me abala mais, nem me assusta, muito menos me ferma! Nunca vou ser atropelada de fato. Porque a bagunça já está estabilizada e é isso, sou parte dela. Vamo que vamo! (mas continuo sorrindo, e eles não entendem por quê!)

QUE DELÍCIA NÃO SER TURISTA
Andar de bici aqui é a maior aventura! E eu me sinto o máximo passando no meio dos turistas com a maior pose de "eu moro aqui e vocês não, rá, rá, rá". Afinal "EU NÃO SOU MAIS TURISTA COMO VOCÊS, seus chatos que ficam lotando tudo e enchendo a paciência"!

Eu não sou turista, que delícia! Sou parte da cidade, sou parte do caos... Pego a bike e vou indo. Sou italiana, fiorentina, avacalhada mesmo. E não tô nem aí!

Minha bicicleta é mais velha do que o David, mas é ótima!! É tudo ótimo! Fora os dois pneus que estavam podres e que eu tive que trocar - o que dobrou a bagatela de 50 euros que paguei inicialmente. O barato sai caro na Europa também. Não se iluda. Se for comprar uma bici, compre uma nova. Pelo menos não vai quebrar e depois você pode vender até pra mesma loja de onde comprou. Mas a minha bici, mesmo vecchia, me leva pra tudo quanto é lado! Feliz. Avacalhada, barulhenta, na contra-mão e feliz!

E ninguém tá nem aí mes-mo!
Principalmente este mês.
Em agosto, Firenze fecha para tirar férias.
Acho que a Itália toda fecha.
É um dos, pelo menos, cinco períodos de férias que o italiano tira no ano.
Dio mio! Dio mio! È tutti chiuso per ferie!!!!

Lavorattori, puff!
Nem aí...
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sexta-feira, 8 de agosto de 2008

OITO

OTTO do OTTO do OTTO
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quinta-feira, 7 de agosto de 2008

SONO PELLEGRINO

Ele se sentou numa mesinha bem na minha frente, no Vecchio Mercato (meu restaurante predileto em Firenze). Sentou bem de frente pra mim. Era impossível não notá-lo. Era como se ele tivesse sido colocado lá exatamente para que eu o notasse. Loiro, lindo, bronzeado, sorridente. E parecia tão, mas tão simpático que ficar olhando pra ele sem parar era inevitável. Ele estava sozinho. Era transparentemente sozinho. E incrivelmente interessante.

Então o ragazzo olhou o cardápio, escolheu a comida, pediu uma salada e um risotto num italiano super esforçado, e perguntou para a garçonete (minha amiga brasileira Stephanie) se o vinho da casa era bom. Eu, sabe-Deus-por-quê (ou porque já não podia esperar mais pra falar com ele), peguei a minha taça, "coincidentemente" cheia do vinho tinto da casa, e levei pra ele: "try it", eu disse, como quem diz "ah, você não merece estar aqui SOZINHO nesta mesa sob o sol e o céu maravilhoso de Firenze, vem ser nosso amigo...".

Ele rasgou um sorriso sem graça, ficou roxo, e então agradeceu, provou, e pediu uma garrafa. Do vinho branco. Começamos a conversar e não paramos quase nunca mais. Ele veio se sentar na nossa mesa (eu estava com a Shinôbu, minha irmã japonesa) e falou sem parar, pra nossa alegria. Porque foi uma delícia ouvir o que ele tinha a dizer - e ficar olhando pra ele enquanto ele dizia o que tinha a dizer.

Ferdinand. Austríaco. Nasceu em Salzburgo e mora em Viena. Coincidentemente de novo, as duas cidades austríacas que conheci. Ele tem 25 anos, olhos verdes, estuda International Business Administration, e gosta de andar. Gosta MESMO. Está andando há mais de 20 dias. Saiu de Viena e vai terminar a viagem em Roma, daqui a mais ou menos uma semana. Sim, é isso, ele está viajando de Viena a Roma à pé. "Sono pellegrino", ele diz, gastando duas das oito palavras que sabe dizer em italiano. Ele tem andado quilômetros debaixo desse sol escaldante. Por isso está bronzeado. E, talvez por isso também, seja tão bacana e tenha histórias tão interessantes pra contar.

Shinôbu e eu nos apaixonamos por ele. E acho que ele também se apaixonou por nós - ou pela oportunidade de falar sem parar, já que não conversava com ninguém fazia tantos dias. Disse que é tímido (é nada!) e que nunca puxa papo com ninguém em lugar nenhum (duvido!). E passou a noite inteira me agradecendo por ter começado uma conversa com ele. (Eu também passei a noite inteira ME agradecendo!).

Esta é a segunda viagem que ele faz à pé. Antes passou 30 dias andando pelo Caminho de Santiago, na Espanha. Mas disse que não fez a coisa convencional, foi por outras estradas. Ele detesta o convencional, repetiu mil vezes. Comprou, por exemplo, no meio da auto-estrada na Bologna, uma bicicleta velha de um mendigo por 30 euros. Saiu andando feliz da vida e demorou 5 km para se dar conta de que ia na direção errada. Fez meia volta, andou voltando os 5 km errados e... paf!: a bicicleta quebrou. Ele diz que olhou pro céu e disse: tá bom, Deus, entendi que é pra eu andar e não tentar dar um roubadinha fazendo um pedaço chato do caminho de bicicleta... tá bom, entendi! Largou a bicicleta quebrada quase no mesmo ponto onde a tinha comprado e saiu andando pro lado certo. "E ainda por cima eu vi que o mendigo pegou o dinheiro que eu dei e comprou uma pinga!!".

Ele tem idéias bastante interessantes a respeito de um monte de coisas, mas sempre se pergunta se é tudo interessante mesmo, se tudo faz sentido, se ele não é um cara que gosta de sair andando porque nunca vai conseguir se comprometer com nada. Mas ele tem um jeito de falar que te dá vontade de sair andando junto no dia seguinte. E se comprometer com ele. (Bom, não é só por causa do jeito de falar... )

Por falar em dia seguinte, a última das várias coincidências que foram cruzando o nosso encontro aconteceu no dia seguinte, de manhã. Ele ia indo embora de Firenze, com a mochila nas costas, às nove da manhã, e eu vinha vindo de bici, a caminho da escola, e nós nos cruzamos! No meio da cidade, que tem mil e oitocentas ruazinhas, nós estávamos exatamente no mesmo lugar, no mesmo momento, e nos cruzamos - de novo. Abraço. Take care. É bastante inacreditável. Yes, it is! In the middle of the street... In the middle of life... In the middle.

IN THE MIDDLE
Ferdinand me falou muito sobre uma teoria que se repete na vida dele. Não entendi exatamente o nome da coisa, afinal ele falou em alemão. É verdade que repetiu umas oito vezes, mas eu não posso reproduzir de jeito nenhum, não tenho idéia. Mas a coisa se resume a "estar sempre no meio", nunca de um lado ou do outro, mas sempre no meio, como que estacionado, stuck in the middle of everything. Não é lá uma coisa boa na opinião dele porque é como se você não conseguisse sair desse estado de estar no meio, de nunca estar indo veramente para algum lugar... É uma sensação de estar num limbo, num movimento sempre repetido de ter qualquer coisa deixada para trás mas não chegar no que tem à frente. Não é muito fácil de explicar por escrito. Mas é bastante instigante. Existe um livro sobre isso, ele disse, de um alemão. Assim que eu descobrir como se escrevem os nomes deles - do livro e do autor - escreverei.

Por enquanto, vou pensar se eu estou stuck in the middle ou se já cheguei a algum lugar.
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segunda-feira, 4 de agosto de 2008

BABBO

Tenho pensado muito no meu pai.
Tenho me encontrado com ele - em mim - todos os dias.

Acho que porque assim, sozinha, a gente acaba olhando com mais cuidado, com mais calma, meio que de fora, as próprias atitudes, o comportamento, o jeito de ser em cada pequeno detalhe. E o que eu vejo é o meu pai em vários dos meus momentos. Não que isso seja totalmente novo, eu sempre soube, mas está latente aqui, neste país de babbos, e mammas, e nonnas, de gente que grita demais, que conversa como se estivesse brigando, de bagunça, de calor, carente de pessoas educadas e gentis, mas de família acima de tudo.

Sou meu pai quando pergunto o nome do garçon, da garçonete, do vendedor, do caixa, do carabiniero, de todo mundo. E quando digo o nome da pessoa com um sorriso seguido de um agradecimento, de uma solicitação educada, de um elogio ou de uma brincadeira gentil.

Sou meu pai quando pago um sorvete pra algum amigo, quando peço proscciuto crudo no restaurante ou quando compro frios e queijos pra fazer um aperitivo. Sou meu pai quando encho o copo de gelo e depois de água, e quando giro o gelo no copo com um dos dedos. Sou meu pai quando chego na casa de alguém e arrumo o tapete, a mesa, a almofoda. E quando sento no sofá e ponho a almofada na barriga.

Sou meu pai até no meio da minha bagunça, quando dobro direitinho as sacolinhas de plástico acumuladas e guardo pro momento oportuno. Ou quando pego uma dessas sacolas pra fazer de lixinho ao lado da minha "mesa de escritório". E sou meu pai quando arrumo bem retinhas todas as coisinhas em cima dessa mesa (embora a minha mesa seja CHEIA de coisinhas e a dele vazia...).

Sou meu pai quando organizo e convido a classe inteira pra um almoço de confraternização, e quando faço um discurso (em italiano) falando da importância da amizade e do quanto é especial ter cruzado com cada um deles pelo caminho. Sou meu pai quando digo a um por um que eles têm uma casa no Brasil. Sou meu pai quando tempero a salada com aquela coisa gigante de moer pimenta. Também sou meu pai quando peço a nota fiscal em qualquer negócio e quando dobro ela direitinho e guardo na carteira - pra depois juntar com todas as outras, devidamente clipadas, dentro de um envelope. E sou meu pai quando faço o relatório de gastos do cartão de crédito. Sou meu pai quando pechincho e quando faço economia. E sou muito meu pai quando me sento e espero alguma amiga escolher alguma roupa na loja. Sou meu pai quando ela me pergunta se está bom e eu respondo com palavras gentis.

Sou meu pai quando compro rosas do mocinho que passa vendendo no bar (sim, aqui também há milhares deles), e quando distribuo uma rosa para cada uma das pessoas que estão comigo... homens, mulheres, crianças... Sou meu pai quando caminho devagar pelas ruas da cidade, quando pego a mão da pessoa ao lado para atravessar a rua, quando ando de mãos dadas com alguém. E definitivamente sou meu pai quando ligo o ar condicionado na máxima potência do vento e a 18 graus - ou menos!

Sou meu pai quando desdobro a pontinha das notas de dinheiro antes de guardá-las bem esticadinhas na carteira. Sou meu pai quando dou um dinheirinho pro cantor da rua ou uma gorjeta boa. Sou meu pai quando enxugo o chão do banheiro e a pia! Meu Deus, eu enxugo a pia.

E sou meu babbo, de alguma forma, quando MORRO DE SAUDADE da minha mamma. E quando sinto tanto tanto a falta dela e da opinião dela, e de rir com ela, e de lembrar das histórias antigas, e de compartilhar com ela cada coisa legal que acontece e cada pessoa que eu vejo igual a alguém que a gente conhece.

Sou meu pai também quando falo pra todo mundo sobre a família maravilhosa que eu tenho, e quando mostro fotos e mais fotos, e quando digo que, embora eu tenha vontade de ficar viajando mais tempo, acho que não vou agüentar de saudade...

(Também sou um pouco meu pai quando sou meio teimosa, cabeça dura e "bossy" - mas quando sou assim com absoluto respeito e educação. Cá entre nós, é bem verdade que isso me ajuda bastante a ter sucesso na vida. Sou meu pai quando tenho sucesso na vida. E, va bene, eu ser meu pai ajudou particularmente a minha classe inteira a trocar uma professora ruim por uma ótima e aprender a falar italiano!!! Sou meu pai quando me torno naturalmente a líder da revolução estudantil).

Ah, e sou exatamente meu pai quando penso que, embora todos acreditem que o dia dos pais seja só no próximo domingo, DIA DO PAI É TODO DIA! (E DIA DA MÃE TAMBÉM!)

Grazie Babbo, por ser uma parte tão boa de mim, tão forte, tão gentil, tão bonita. Grazie tanto.
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